Foster: Olá pessoal, é o Foster aqui do Carioca Connection e mais uma vez estamos aqui com o Renato do Learning Brazilian Guitar, sejam bem-vindos de novo. Renato.
Renato: Gente, sejam bem-vindos ao podcast, espero que vocês curtam o assunto de hoje e novamente obrigado pelo convite, Foster.
Foster: De nada. E quem não pode gostar da música brasileira? Se você não gosta da música brasileira, não confio em você. É uma coisa pessoal minha.
Renato: Você sabe que existe uma frase que é meio comum de ser dita, que fazia parte de uma música na verdade, que diz “Quem não gosta de samba, bom sujeito não é.”
Foster: É, é.
Renato: Conhece? “É ruim da cabeça ou doente do pé.” É uma brincadeira né.
Foster: Mas é verdade.
Renato: Os brasileiros brincam muito, muito. Tem que tomar um certo cuidado assim porque a gente brinca muito. As pessoas as vezes pensam que a gente tá falando sério e não é. Tem muita brincadeira mesmo.
Foster: É, eu acho por isso que eu sempre gostava muito do brasileiro geralmente, porque vocês são muito, sei lá, irônicos, e eu também, o meu sentido de humor é bem sarcástico, sempre.
Renato: Eu acho só que de vez em quando a gente passa um pouco do limite e acaba sendo um pouco grosseiro, mas enfim. Bom, eu sei me segurar eu acho. Mas tem pessoas que eu vejo por aí que tão conhecendo, encontrando uma pessoa pela primeira vez e já vem a brincadeira né, calma, vamos com calma.
Foster: Calma aí, calma aí. Bom Renato, hoje nós vamos direto ao ponto. Vamos falar sobre o Tom, quem é Tom? Pode me explicar um pouco sobre essa figura, Tom Jobim, que é tão famosa na história brasileira?
Renato: Então, a gente chama ele de Tom carinhosamente, o nome completo dele é Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim.
Foster: É impossível pra mim lembrar esse nome inteiro.
Renato: É, é muito longo, acho que pra gente também aqui no Brasil. Então é, o Tom foi um cara muito importante porque, acho que primeiro porque ele era um grande compositor, independente do que ele compunha na época, na década de 50, quando começa a Bossa Nova, ele tá muito relacionado à Bossa Nova, claro, mas acho que ele é importante primeiro porque ele foi um grande compositor mesmo, a gente analisa as músicas dele tanto a questão harmônica quanto a questão melódica, elas são muito, muito bem construídas. Você vê que é uma coisa feita por uma pessoa que entendia profundamente do assunto musical.
Foster: É a qualidade da música dele é sensacional.
Renato: Sim, eu também acho, sensacional, foi importante também pela própria figura, uma figura um pouco caricata às vezes, brincando muito com as coisas, essa coisa do boêmio, o charuto na boca e o chapéu panamá. Então assim, ele era uma figura marcante né, e ao mesmo tempo dizem que extremamente tímida, né? Brincava muito pra disfarçar a timidez.
Foster: É, eu faço a mesma coisa.
Renato: Eu acho que é uma arma inofensiva né?
Foster: Exatamente.
Renato: Melhor assim, né? Então assim, ele foi muito importante porque todo o movimento da Bossa Nova acabou mudando a maneira do brasileiro enxergar a música brasileira.
Foster: O que quer dizer isso?
Renato: O que acontece é assim, antes da Bossa Nova já existia samba, já existia choro, já existia baião, xote, enfim. Os estilos eram, vamos dizer, assim, regionais, não sei se ela colocação vai fazer muito sentido pra vocês, mas era um pouco “gueto”, era uma coisa não compartilhada completamente pela sociedade, às vezes. O samba um pouco mais, principalmente por causa do carnaval né.
Foster: É.
Renato: E esses estilos musicais, eles eram executados por músicos que tocavam só dentro desses estilos musicais, então por exemplo, o choro ele ia ser tocado com flauta, bandolim, um cavaquinho, um violão, sabe, um pandeiro... Então era aquela instrumentação característica do choro.
Foster: Sim, muito mais firme na estrutura.
Renato: Isso. Ou então instrumentação característica do samba, no caso do xote e do baião, seria o trio famoso né que é a Zabumba, o triângulo e o acordeon. E assim, exista claro a rádio nacional onde trabalhava um maestro, chamado Radamés Gnattali, que ele fazia já arranjos desse tipo de música pra orquestra. Muita gente acha que era uma coisa, não por falha do Radamés, mas uma coisa um pouco caricata, como se saísse um pouco do ambiente de cada região. O advento da Bossa Nova é muito interessante porque ocorrem uma série de trocas, vamos dizer assim, por exemplo o que era a percurssão, os elementos percursivos das músicas regionais, o bumbo, triângulo, pandeiro, surdo, tudo isso é trocado pela bateria. Nos arranjos orquestrais, todos os metais, enfim, não que foram completamente deixados de lado, mas que eram arranjos mais big band, a função desses instrumentos passam a ser das cordas da orquestra.
Foster: Sim. Sim, sim.
Renato: O violão assume o papel principal na Bossa Nova.
Foster: É, faz tudo.
Renato: Faz tudo. O piano deixa de ser tão rítmico também, ele deixa de ter a função rítmica de condução do ritmo da música e passa ser uma coisa mais solta. Então ocorre uma série de transformações no que se refere aos arranjos e a Bossa Nova nasce desse jeito, então não é mais caricato.
Foster: É, exatamente. Interessante que você falou isso, porque por exemplo, quando você fala sobre o samba, sem pensar, eu penso na batucada, nos ritmos, mas com a bossa nova, é o violão que está fazendo basicamente o ritmo e também a melodia toda simultaneamente.
Renato: Sim, sim, é, verdade. O foco muda né, ao invés de você ter é isso que eu tô tentando explicar, que é essa coisa da instrumentação que são os instrumentos utilizados em um determinado estilo, fica mais universal. Você utiliza piano, o contrabaixo entra realmente como instrumento importante, coisa que não existia no samba mas na Bossa Nova ele tá lá. Enfim, existe realmente uma série de mudanças que são muito benéficas, quando a gente enxerga, quando a gente tenta enxergar a música brasileira como uma coisa mais universal, mais do mundo, primeiro menos da região depois mais do Brasil, depois mais ainda se desenvolvendo pro mundo, uma coisa mais mundial, mais internacional. É bem interessante isso.
Foster: Você acha que é o primeiro gênero brasileiro que realmente foi internacional, totalmente, porque, por exemplo, até hoje em dia quando alguém que não sabe muito do Brasil, eles ainda, eles conhecem tipo, a Garota de Ipanema, essas coisas, global.
Renato: É, olha só, antes da Bossa Nova existiu a Carmen Miranda que fez muito sucesso na Broadway com sambas, mas tudo era um pouco caricato tanto que ela foi muito criticada no Brasil.
Foster: Um pouco, muito né?
Renato: Acho que muito né, não sei, acho que muito, bom, enfim, não sei. Ela teria que estar viva aqui pra responder né. Era a ideia de vender uma imagem do Brasil como algo exótico, e como algo, e que perdura até hoje né porque muita gente...
Foster: Como país tropical.
Renato: Sim, sim é... Eu já vi coisas na internet muito interessantes de gente que veio pra São Paulo, por exemplo, que é uma cidade enorme, é a maior cidade das Américas. Não é brincadeira, é maior que Nova York em termos de população.
Foster: Impressionante.
Renato: Eu já vi comentários em fóruns, enfim, ah eu fui pra São Paulo e pensei que ia ver macaco na rua, arara, não, não vai ver.
Foster: É!
Renato: Então, persiste um pouco essa imagem de uma coisa exótica. Talvez a mesma imagem que eu tenha da Tailândia, como uma terra exótica, com coisas muito diferentes né. Mas enfim.
Foster: Você foi pra Tailândia faz alguns anos e foi basicamente isso.
Renato: É mas é porque a gente tá também saindo do ocidente e indo pro oriente, uma coisa já esperada acho né. Mas enfim.
Foster: Uma coisa engraçada, rapidamente, todo mundo me fala tipo “Ai, e o que você esperava do Brasil? Tipo antes de chegar pela primeira vez, você estava esperando macacos pela rua, essas coisas?” Mas eu estava morando no Rio de Janeiro, eu morei no bairro do jardim botânico, que tem muito macaco, tem mico. Então na minha casa sempre tinha um mico na rua, então eu falei: pois é eu estou pensando em macaco e eu cheguei lá e tinha um mico, sim.
Renato: Realidade constatada.
Foster: Mas enfim.
Renato: Bom, voltando né ao Tom Jobim, acho que foi uma série de coisas assim que aconteceram ao mesmo tempo a qualidade das composições do Jobim, que é inegável a maneira de interpretar que o João Gilberto trouxe, que eu acho que é a grande contribuição dele pra Bossa Nova. Eu enxergo João Gilberto como uma síntese. Você sabe que antes do João Gilberto gravar o Chega de Saudade, famoso LP em 59, já tinha sido gravado um LP em 58 com a Elizeth Cardoso que era uma grande cantora da época também. E os dois discos são de Bossa Nova, são as composições do Tom, enfim, né, várias outras músicas, mas já num estilo de Bossa Nova, mas quando você ouve a Elizeth e ouve o João Gilberto a diferença é nítida, não no que se refere a qualidade do canto. A Elizeth era uma ótima cantora, mas ela ainda tinha uma maneira de cantar que estava relacionado com às cantoras de rádio, que a gente chama, antigamente. Essas cantoras do rádio né, que é a voz lírica. A voz de quem aprendeu canto lírico né.
Foster: É.
Renato: Então acho que o João Gilberto é uma síntese nesse sentido assim, de encontro entre a composição do Jobim e a maneira de interpretar né, quer dizer...
quer dizer - what I'm trying to say is, what I want to say is
Foster: Bom, duas coisas Renato, primeiramente, quando você fala o verbo “interpretar”, você quer dizer o que? Você está se referindo a compor a musica ou a cantar? Ou as duas coisas?
Renato: Tá, bem interessante isso. Interpretar em português é a mesma coisa que “perform” in English.
Foster: Ah, legal. No idea.
Renato: Então quando você diz assim por exemplo, “ah a interpretação dele foi ótima naquela música”, você está dizendo performance.
Foster: Mas hoje em dia eu estou escutando mais tipo performance, também às vezes.
Renato: Sim, sim.
Foster: Eu tenho amigos que falam.
Renato: Eu acho que sim, acho que é uma coisa que está mudando talvez, eu acho que como eu já tô com 50 anos de idade eu não mudei junto ainda.
Foster: É não... A geração jovem dos brasileiros estão roubando palavras americanas.
Renato: Sim, sim, sim. Eu acho que também por causa da faculdade de composição. Onde a gente fala muito sobre interpretação, a gente estuda formas de interpretação, então eu fiquei com isso na cabeça. Mas é performance, é a mesma coisa.
Foster: Legal, e a segunda coisa. É interessante quando você está falando do João Gilberto, ele foi o primeiro músico brasileiro que eu ouvi e acho que a primeira canção que eu ouvi foi Desafinado. E eu pensei, tipo, nossa, a voz dele é tão única mas não necessariamente boa, tipo, de uma forma tradicional. É uma voz sei lá.. é distinta, é diferente.
Renato: Pois é, tem uma coisa interessante à respeito do João Gilberto, o João Gilberto é de Juazeiro, tem um livro do Ruy Castro chama... se eu não me engano o título é A Bossa Nova e Outras Histórias, se eu não estou enganado.
Foster: É, acho que eu li ele em inglês.
Renato: É, do Ruy Castro. E ele conta um pouco dessa história do João Gilberto, ainda em Juazeiro, antes de ir pro Rio de Janeiro, antes do advento da Bossa Nova e como a maioria dos cantores da época, ele queria ser um grande cantor como por exemplo, existia na época Francisco Alves, aqueles grandes cantores que tinha aquela voz empostada, também com essa característica lírica, então diz o Ruy Castro no livro dele que o João Gilberto tinha esse desejo, mas enfim, muitas coisas aconteceram depois que ele foi pro Rio. E eu não conheço os meandros dessa história. Meandros pra quem não sabe, em inglês é como as coisas aconteceram. Os meandros da história assim. Isso não é uma palavra muito utilizada, é uma palavra old fashion.
Foster: Mas é bom saber.
Renato: É meandros né, assim, quero saber os meandros dessa história, ou seja, como aconteceu essa história ou como ela se desenvolveu, mas enfim, o que a gente tem do João Gilberto hoje em dia é essa voz que você comenta né, que é uma coisa que em uma conversa com você a gente tava falando um pouco sobre minimalismo, você lembra? Eu acho que tem um pouco disso. É só o necessário.
Foster: Exatamente. Eu acho que dá um sentido de, é muito íntimo. Primeira coisa que eu pensei quase é como se ela estivesse falando comigo mesmo e para mim mesmo. Então essa combinação de uma voz diferente, uma vez um pouco mais calada e também o ritmo do violão é uma combinação que te pega.
Renato: É você vê, eu não saberia citar nomes mas existe no Jazz por exemplo, grandes duetos também de guitarra e voz, enfim, existiram alguns discos de jazz que influenciaram toda essa geração de bossanovistas. Mas no Jazz os grandes cantores, os grandes cantores de Jazz, não era exatamente o mesmo jeito que os cantores brasileiros cantavam antes da bossa nova. Mas era uma voz mais potente quando você pega Ella Fitzgerald, não era brincadeira aquilo. Eu compararia com Elis Regina, mas não com João Gilberto.
Foster: Sim, com certeza.
Renato: Sabe?
Foster: Pra mim Ella Fitzgerald não tem nada ver com João Gilberto.
Renato: É. Mas é o que eu falo assim, é da época né, todo mundo diz que a Bossa Nova teve muita influência do Jazz. E teve mesmo, teve mesmo porque era o que se ouvia. Apesar do Jobim dizer que ele não ouvia Jazz muito porque ele não tinha acesso à Jazz. É engraçado isso, o que ele ouvia na verdade era música de musicais norte-americanos né, enfim... Mas teve, teve.
Foster: Então Renato, uma coisa que eu não sei se vai fazer sentido pra você mas, uma coisa que sempre foi muito atrativa pra mim da Bossa Nova, é um estilo tão simples que tem tipo um toque de minimalismo mas ao mesmo tempo, musicalmente é muito complicado, tipo tentando aprender Bossa Nova no violão, eu toco violão mas vocês estão fazendo algumas coisas com a mão direita que eu nunca fiz na minha vida.
Renato: Aham.
Foster: Então.. tecnicamente é muito complicada mas dá um sentido de que é muito íntimo, é muito simples. Faz sentido isso, essa, sei lá?
Renato: Faz sentido... é que como eu, eu eu começo a dividir as coisas em elementos, quando você comenta tudo isso. O ritmo da Bossa Nova, eu acho que, eu posso estar enganado, mas eu acho que o grande barato, vamos dizer assim do ritmo da Bossa Nova, que já existia no samba é a síncopa. Que é quando você tem o acento, a parte forte do ritmo tá fora do tempo. É diferente por exemplo, não de toda tá, é diferente da música europeia, então acho que essa é a questão rítmica, tem uma questão harmônica que é complexa porque, mas que é muito parecida com Jazz, com algumas ligeiras diferenças mas muito parecida com jazz com o uso das dissonâncias, né?
Foster: Sim, sim.
Renato: No geral quando você escuta um arranjo do Jobim por exemplo, quando você escuta na orquestra de cordas, naquelas melodias cromadas, aquilo, aquela melodia tá sendo construída dentro das dissonâncias, usando as dissonâncias da harmônia, do acorde. Então nesse sentido é mais complexa porque atrás alguma coisa mais inesperada. Então assim, o ritmo pra gente não é algo complicado porque a gente nasce ouvindo esse ritmo, de certa forma ou nascia, pelo menos né. Mesmo pra quem, por exemplo, se a gente pegar alguém brasileiro, que é roqueiro, que a gente chama, que curte rock’n’roll, ele já ouviu samba, não tem jeito, sabe? Nem que seja no carnaval ele ouviu samba de alguma maneira. Então a gente tem essa influência, é como um sotaque, é como uma língua.
Foster: O ritmo da música brasileira, pra mim é como as vogais nasais, é uma coisa que pro brasileiro é a coisa mais natural do mundo mas pro gringo tentando aprender a cultura brasileira, falar as palavras João, Não, é tão difícil. Também é tão difícil pra mim pegar o ritmo da música às vezes.
Renato: Aham, entendo. São duas coisas separadas mas que tem algumas dificuldades, é isso que você quer dizer né.
Foster: Eu sempre quero fazer uma analogia com a linguística. Desculpa.
Renato: Sim é. Não, imagina mas eu entendo, realmente esse som “ão” é... Magina, eu aprendendo inglês, você tá reclamando do “ão” né? Poxa vida mas aqui no Brasil a gente tem 7 sons pra vogais. Vocês tem 15 a 20, não sei direito.
Foster: Entre 15 e 20 dependendo da conta né.
Renato: Tudo bem que quando a gente pensa então, a gente poderia acrescentar mais um oitavo som, enfim né. Tem as suas dificuldades mas não se iluda, pra aprender inglês também é bem difícil viu?
Foster: Eu sei, como professor de inglês eu sou tão agradecido que eu nasci falando inglês porque Inglês é difícil, porque não faz sentido.
Renato: Pois é, pois é, é pra quem fala português, a construção da frase é diferente né, tem vários sons que a gente nunca fez, o som do Th por exemplo. Isso demora muito até hoje eu não falo direito então como eu não falo direito, que que eu faço, eu falo bem rápido porque assim ninguém entende mesmo e todo mundo acha que eu falei certo.
Foster: É, é. Mas tentanto combinar os dois temas da música e linguística, eu aprendi português através da música, muito e a gente já falou sobre como aprender português através da música um pouco no último episódio, mas eu acho que a bossa nova especificamente é muito boa pra aprender porque é um pouco mais devagar e você somente tem normalmente violão e voz, talvez piano.
Renato: Concordo, concordo, e também acho que como a gente falou no episódio passado, a melodia é mais linear, você não tem tanto o que a gente chama de firula. São aqueles melismas, o nome técnico é melisma o nome que a gente utiliza é firula. Que é quando o cantor canta.... Não tem nada disso né, então eu acho..
Foster: Quase falando.
Renato: É quase falando né, nesse sentido sim, a bossa nova pode ser uma boa opção, um bom material né
Foster: Ótimo.
Renato: Enfim, a gente tava falando do Tom Jobim e tá falando de linguística agora.
Foster: Bom, voltando pro assunto o Tom Jobim, sei lá, talvez eu estou errado, mas eu sempre pensei no Tom como o pai da Bossa Nova.
Renato: Uhum.
Foster: Ele é ou não é? Eu sei que é uma pergunta impossível.
Renato: Não é que é uma pergunta impossível, é uma pergunta complicada. Porque existem várias opiniões.
Foster: E polêmica.
Renato: Polêmica, isso. Por exemplo, tem gente que diz que é o João Gilberto, tem gente que diz que é o Tom, tem gente que diz que é um cara mais antigo um pouquinho ainda, chamado Johnny Alf.
Foster: Ah, eu lembro.
Renato: Porque ele gravou uma música na década de 50 chamada rapaz de bem, composição dele. Onde a gente pode verificar assim muitos elementos da bossa nova já antes desse lançamento oficial, quer dizer, não é um lançamento oficial mas um reconhecimento oficial de um movimento chamado Bossa Nova. Eu não sei, eu acho que eu enxergo João Gilberto como o grande intérprete da Bossa Nova, então ele é super importante pra Bossa Nova. Quando eu penso por exemplo num estilo de música clássica. Classicismo, quais são os grandes importantes do classicismo? Bethoven, Mozart.
Foster: Mozart, Bach
Renato: Por que que eles são importantes? Porque eles criaram música dentro de um estilo.
Foster: Sim, sim, mas não quer dizer que eles criaram o estilo. Somente que eles ficaram lá em cima depois na história.
Renato: Sim, mas quase criaram, quando a gente começa a pensar na história da música a gente tinha antes o Barroco, vinha Bah, vinha Vivaldi, de repente aparece Mozart. O que acaba acontecendo acho também com a história da música é uma coisa que eu acabo dizendo pros meus anos que é a gente conhece a obra do Beethoven mas a gente não conhece a obra do vizinho dele, porque o vizinho dele deu um azar tremendo de nascer ao lado do Beethoven, na época de Beethoven, então tem coisas que a gente não vai saber à respeito de um estilo porque o que ficou pra história foi o que foi considerado mais importante. E nem isso a gente tem certeza, na verdade.
Foster: É.
Renato: Não é verdade? Então a história é escrita e a gente tem que lembrar isso, ela é escrita a partir de um ponto de vista.
Foster: Sim, sim.
Renato: Mas quando eu penso, como eu tava te explicando, essa é a minha maneira de pensar. Então eu acho que o Jobim ele foi, não é o pai mas ele foi o mantenedor da Bossa Nova por causa do número de composições.
Foster: É, e ele sempre estava lá na fronteira, tipo puxando os limites um pouco.
Renato: Sim, sim, é claro que houveram vários outros compositores importantes que é Roberto Menescal, Carlinhos Lira.
Foster: Roberto.
Renato: Sim, que são importantíssimos e tem músicas maravilhosas também no estilo da Bossa Nova. Lara Leão foi uma grande intérprete da Bossa Nova, mais tardiamente, mas foi uma grande intérprete. Eu acho maravilhoso, tocava violão muito bem, você por exemplo, Carlinhos Lira, Roberto Menescal, e eu não estou falando mal deles, pelo amor de Deus. Eles continuaram com a Bossa nova até hoje. Jobim, ele foi pra Bossa Nova depois de um tempo ele foi pra onde ele queria. Não é verdade?
Foster: Sim. Mas, pra onde ele foi?
Renato: Ele foi pra uma música que a gente poderia encaixar um pouquinho melhor no chamado movimento MPB, que é quando você pega, por causa da Bossa Nova, porque sem Bossa Nova na minha opinião não existiria MPB. Não do jeito que ela foi. Onde você tem outros instrumentos, bateria, contrabaixo, violão, uma série de coisas. Que dá origem de certa forma na MPB, que é meio que é coisa de se utilizar de novo, de novo não. Se utilizar dessa roupagem que a Bossa Nova tinha, dessas características instrumentais da Bossa Nova só que com temas outros que eram regionais que antes da bossa nova eram tocados apenas com os instrumentos regionais como a gente tinha conversado no começo né.
Foster: É tipo um ciclo né. No palco.
Renato: E de certa forma, quando a gente fala de língua, por exemplo na minha opinião a MPB quando a gente fala do movimento MPB, quando a gente fala de Caetano, de Gil, de Chico, de Milton Nascimento. Tem uma série de outros nomes que são importante também e que acabam ficando de lado e a gente acaba ficando nos mais conhecidos, as letras são muito mais ricas e muito mais profundas do que na Bossa Nova, então ganha um outro aspecto mesmo a música né, ganha um aspecto literário que eu acho que a bossa nova, nada contra, mas acho que ela não tinha dessa forma. Acho que o grande barato da Bossa Nova em relação à letra, antes da Bossa Nova as músicas eram baseadas em boleros, tangos, baladas e todas elas, as letras, todas maneira de dizer, eram muito depressivas, “Oh ela me deixou, estou morrendo, eu vou morrer, a vida não tem sentido...”
Foster: “O mundo vai acabar”
Renato: “O mundo vai acabar” né. E a bossa nova, as letras da Bossa Nova elas tem um outro enfoque, elas procuram enfocar no que é legal do amor, no que é legal do relacionamento.
Foster: Sim. Eu sempre achei uma coisa um pouco mais intro... intro..
Renato: Introspectiva.
Foster: Nossa que palavra.
Renato: Essa é difícil né? Não se preocupa, tem várias palavras em inglês que eu nem arrisco a falar.
Foster: Não deveria ter tentado aí. É, por exemplo, a primeira canção que eu vi, Desafinado, eu estava pensando na combinação tipo, ah a música é um pouco desafinado e também a voz dele, e também a letra está falando desse amor que é um pouco desafinado também.
Renato: Sim.
Foster: Então essa combinação pra mim, me pegou forte.
Renato: Olha, é que eu não sei se a gente tem tempo mas tem algumas coisas extremamente interessantes que a gente pode conversar à respeito de música, letra e combinações. Então, por exemplo.
Foster: Temos tempo.
Renato: Desafinado, que que acontece? Ele começa cantando, “se você disser que eu desafino, amor” e isso parece desafinado.
Foster: Uhum.
Renato: Não é mas é inesperado. Não é uma nota que você esperaria, vamos dizer, que fosse cantada normalmente. Aí você pega uma outra música do Tom, olha que interessante, tem uma música que agora eu me esqueci do nome, acho que é Caminhos Cruzados. Que ela fala assim: “Já conheço os passos dessa estrada, sei que não vai dar em nada, seus desejos sei de cor”. Olha o que acontece com a melodia, olha o que ele tá falando: Já conheço os passos dessa estrada, sei que não vai dar em nada, seus desejos sei de cor. Eu acho que é isso. E a melodia ela vai, tem uma nota, ela vai pra nota de cima, pra de baixo, volta pra mesma nota. E vai pra de cima, vai pra de baixo e volta pra mesma nota.... e vai pra de cima... Ou seja, ele não consegue sair daquela nota, ele sabe onde vai dar também. A melodia diz isso.
Foster: É.
Renato: É interessante isso. Quando você pega samba de uma nota só, é um grande exemplo, porque a letra e a música, elas estão falando exatamente a mesma coisa, “ouça aqui esse sambinha feito de uma nota só” e é uma nota só. Outras notas vão entrar mas a base é uma só. Essa outra, ele tá falando, essa outra nota, é consequência do que acabo de dizer, começou a consequência inevitável de você, se não me engano. E aí o que que acontece que é interessantíssimo? “Quando a gente anda por aí e fala, fala e não diz nada”. E quantas notas existem aí? Quando a gente anda por aí e fala tudo e não diz nada, ou quase nada. E aí ele coloca na letra: Já me utilizei de toda nota e no final não sobrou nada. Já me utilizei de toda nota e no final não sobrou nada. Esqueci a letra né. Mas que é, então a música e a letra estão caminhando de forma paralela. Elas estão dizendo a mesma coisa.
Foster: É, realmente pra mim é a coisa mais legal. Tipo, sei la, é um brincadeira de palavras e de música de uma forma inesperada, quando eu penso na Bossa Nova é quase qualquer música brasileira é que não tem comparação no mundo, porque é uma coisa tão única, pelo menos pra mim. Eu acho por essa riqueza que você está falando agora.
Renato: É eu acho que, primeiro que assim existe um estudo que você faz na faculdade, enfim, sobre como a letra se comporta em relação à melodia, que é chamado de prosódia. Então existem técnicas pra isso.
Foster: A gente fala a mesma coisa na linguística.
Renato: Na linguística? Então olha só, olha, a gente falou de várias coisas, a gente falou de Jobim, a gente falou de Bossa Nova, falou de prosódia, de letra, de melodia, de várias coisas.
Foster: Não estava na agenda.
Renato: Não estava, não estava no roteiro. Mas enfim, eu acho que eu gostaria de, que é muito importante, assim, como eu disse o Jobim é muito conhecido por ser um compositor de Bossa Nova então eu queria aqui falar o nome de algumas músicas que talvez eu acredito pelo menos, que são menos conhecidas do grande público fora do Brasil. Claro que vão existir aquelas pessoas, fissuradas pelo Jobim, apaixonadas mas muitas não conhecem, que é uma fase que eu considero pós-bossa nova, então essas músicas seriam: Passarim, sabiá, o boto...
Foster: O boto?
Renato: Que eu já falei errado porque eu falei o português extremamente formal, seria o boto. Foster: O boto.
Renato: O boto. Artigo + substantivo.
Foster: É uma coisa que o brasileiro faz muito que é bem complicado pro gringo se por exemplo, se eu falar tipo “Renato, como que fala essa palavra bonito?” Você vai me falar bo-ni-to, ninguém fala assim.
Renato: É, é verdade.
Foster: Bonito.
Renato: Eu acho que não diria, mas como eu tô lendo essa lista de músicas, eu caí nessa bobagem. Né. Outra, Matita perê que é fantástica, Chovendo na roseira, Correnteza, Dimdi que é quase uma bossa nova, Anos dourados, Luísa, Pato preto...
Foster: Luísa, eu amo essa canção.
Renato: Pato Preto é muito legal, é um xaxado ou um baião se não me engano. Borzeguim, Falando de amor, também é uma música mais conhecida mas bem diferente, nada disso praticamente é bossa nova de verdade, a temática é outra, já mudaram várias coisas.
Foster: É um pouco diferente mas quase todo mundo que está visitando o Brasil pensa em Bossa Nova, Girl from Ipanema. Só, é muito mais do que isso. Muito mais profundo, muito mais complicado.
Renato: Eu acho que é assim também né por exemplo, quando eu penso em Jazz eu sou, eu conheço muito pouco Jazz pra falar a verdade, eu penso sei lá, nas piores, acho que nas piores não, mas nas mais conhecidas que nem sei se são as mais conhecidas.... mas... É mas tem muito mais coisas do que isso, eu tenho certeza absoluta só que pra ser um conhecedor então aí é outra coisa. Mas acho que isso é uma coisa mais do músico mesmo né, eu tenho amigos que realmente gostam de Jazz e sabem conversar muito a respeito do jazz porque conhecem os compositores, os movimentos e tudo o mais. Eu, pelo contrário, eu sempre me liguei à música brasileira então eu sei realmente muito pouco de jazz. Mas enfim, acho que tem uma lista aí de músicas que são interessantes. Hoje em dia se encontra tudo no youtube para poder ouvir
Foster: Sim, sim, a gente pode colocar essa lista de músicas. É difícil com a música brasileira, tem tanta coisa, é dificil saber onde começar, então pode começar aqui.
Renato: Sim, é verdade.
Foster: Ótimo.
Renato: Bacana.
Foster: Bom, Renato, obrigado de novo, eu sempre adoro bater um papo sobre a música brasileira, sobre tudo com você. Você tem mais alguma coisa que você quer adicionar?
Renato: Não, acho que não, a gente já falou bastante né. Se a gente gravar um próximo episódio a gente vai ter que aprender melhor a enxugar melhor o roteiro, que é uma coisa que a gente diz aqui no Brasil. Tá?
Foster: Ótimo, ótimo.
Renato: Tá bom? Mas olha agradeço de novo o convite viu, fico muito feliz, gosto muito de conversar com você também, é legal, bacana.
Foster: Legal. Então Renato, todo mundo pode achar Renato em Learning Brazilian Guitar . com. Valeu, cara, e a gente se fala logo.
Renato: Valeu um grande abraço pra você e pra todos os ouvintes.
Foster: Abraço cara, tchau tchau.
Renato: Tchau.