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Alexia: Oi, pessoal! Tudo bem? Estou eu aqui sozinha de novo pra terminar essa semana incrível junto com o Chico Buarque. No episódio passado a gente falou sobre a música Apesar De Você, que fala especificamente do período da Ditadura Militar. E hoje nós vamos falar sobre a música Vai Passar que, pessoalmente, é uma das minhas preferidas. Toda vez que eu escuto eu fico arrepiada. E, enfim, é um samba maravilhoso.
Então vamos lá! A letra da música Vai Passar que é do cantor e compositor Chico Buarque de Holanda, foi escrita em meios de 80. Então em meados da década de 80, num período absurdamente confuso da história brasileira que foi o fim da Ditadura Militar.
A letra faz uma crítica muito forte ao Estado e ao período colonial brasileiro. É um enredo sobre a história do Brasil desde o descobrimento até a Ditadura que foi em 1984 o fim dela.
É uma… É uma… Canção, é uma música narrada no passado. Então, logo no comecinho, a gente tem a seguinte parte: “No tempo, página infeliz da nossa história / passagem desbotada da memória / das nossas novas gerações”. Quando o Chico escreve “página infeliz da nossa história” ele tá falando sobre a escravidão, que é um fato que trouxe um reconhecimento muito ruim pro Brasil, porque foi o último país independente no continente americano a abolir a escravidão. Então o Brasil foi o último de todos das Américas a abolir a escravidão.
Logo depois tem: “Seus filhos erravam cegos pelo continente / levavam pedras feito penitentes / erguendo estranhas catedrais”. Nessa parte que ele fala sobre “filhos dessa terra que erravam cegos pelo continente” quer dizer o seguinte: poucos anos após a invasão do Brasil pelos portugueses, os portugueses perceberam que o sistema de produção deles não era compatível com o modo de produção que os índios nativos possuíam e culpavam os índios de preguiçosos.
Então, os negros africanos daquela época que formavam o terceiro povo, né, da formação brasileira, foram eles que faziam todas as catedrais, as casas, tudo o que vocês possam imaginar. Então, são eles que ficavam carregando as pedras e construindo estranhas catedrais. E as catedrais não faziam parte, né, da cultura africana. Então, os negros foram os que construíram o Brasil para os portugueses naquela época.
Bom, já na parte: “um dia, afinal / tinham direito a uma alegria fugaz / uma ofegante epidemia que se chamava carnaval”. Quando o fim da escravidão chegou, os negros que moravam no Rio de Janeiro especificamente, para garantirem uma sobrevivência tanto física quanto social, se organizaram nos morros, né, e construíram as favelas. Uma das formas artísticas mais conhecidas desse grupo era o samba.
O samba veio dos negros, isso aqui não é nem um pouco de mistério pra vocês, todo mundo aqui já sabe disso. E na época de 1920 este estilo musical serviu para que os moradores dos morros se organizassem para participarem de uma festa no asfalto. Asfalto nesse sentido é descendo o morro, né, você chega no asfalto que é a parte plana, que é a parte onde os carros passavam, as carruagens passavam. E essa festa era o carnaval.
O carnaval carioca surge como manifestação da cultura negra do morro e, mais que isto, era uma auto-afirmação do negro da época. Então por 4 dias que esse grupo de pessoas passava se divertindo. Era a expressão da liberdade que foi conquistada a amargo preço, né, depois de muito tempo. E dessa vez não estavam oprimidos. Eles estavam produzindo arte, produzindo música, produzindo fantasias.
Então, o carnaval, simbolicamente, aparece como uma mudança de poder que saiu das mãos dos brancos para as mãos dos negros. Então, esse era o sentido do carnaval carioca porque hoje em dia não é mais assim, né?
Bom, e no finalzinho da música a gente tem a parte que o Chico escreveu que é meio absurda, que é extremamente subjetiva: “palmas pra ala dos barões famintos, o bloco dos napoleões retintos e os pigmeus do boulevard”. Quando a gente para pra tentar entender, não faz o menor sentido. Porque como é que um barão pode ser faminto, se naquela época um barão tinha um prestígio social muito alto e uma situação favorável? Assim como, como é que pode ser o Napoleão, que foi o imperador francês, ser retinto? Que é algo… Que era algo da cor mais escura. E assim como os Pigmeus que foram completamente menosprezados pela civilização ocidental e expostos como representantes de uma cultura atrasada, primitiva. Então, como que a gente explica esses paradoxos, né, essas coisas que não fazem sentido algum?
O Chico Buarque ele usou nessa parte, aí que vem a maravilha da língua portuguesa, a figura de linguagem chamada: oxímoro. A sua função é harmonizar duas palavras contrastante ou seja que não fazem sentido algum. A utilização do oxímoro é o que possibilita a harmonia e o entendimento nas contradições que foram da música. E na verdade o que ele quer falar aqui é que os Barões por serem famintos mas é no sentido de ganância, por não se contentarem com o poder que já possuem. Assim como na parte do Napoleão ele faz um contraste com os Imperadores negros que em uma sociedade como a brasileira tornaram-se algo impensáveis. Assim com os Pigmeus andando pelos boulevards constituem imagens tão absurdas e contraditórias como as duas anteriores.
Então, assim, na verdade ele fala sobre os negros se fantasiando das pessoas que eles queriam fazer piada, né, durante o carnaval. Eles se vestiam de barões, se vestiam de grandes Imperadores, eles se vestiam de uma cultura que nunca fizeram parte que é a dos Pigmeus. Então, é o bloco desse grupo, né, é… É uma coisa que tem um significado e um sentido social.
Então, é mais ou menos isso, é uma letra muito difícil de entender. Quando você para pra ler pra entender da onde vem a cultura brasileira, e o que que o Chico quis escrever e quis mostrar pro mundo porque não é só uma música bonita, né? Diz bastante sobre a história brasileira e a cultura carioca também por trás disso.
Bom, a gente terminou agora a semana do Chico espero que vocês tenham gostado, e a gente se vê no próximo episódio! Tchau!
Vai Passar
Chico Buarque
Vai passar nessa avenida um samba popular
Cada paralelepípedo da velha cidade essa noite vai se arrepiar
Ao lembrar que aqui passaram sambas imortais
Que aqui sangraram pelos nossos pés
Que aqui sambaram nossos ancestrais
Num tempo página infeliz da nossa história,
passagem desbotada na memória
Das nossas novas gerações
Dormia a nossa pátria mãe tão distraída
sem perceber que era subtraída
Em tenebrosas transações
Seus filhos erravam cegos pelo continente,
levavam pedras feito penitentes
Erguendo estranhas catedrais
E um dia, afinal, tinham o direito a uma alegria fugaz
Uma ofegante epidemia que se chamava carnaval,
o carnaval, o carnaval
Vai passar, palmas pra ala dos barões famintos
O bloco dos napoleões retintos
e os pigmeus do boulevard
Meu Deus, vem olhar, vem ver de perto uma cidade a cantar
A evolução da liberdade até o dia clarear
Ai que vida boa, ô lerê,
ai que vida boa, ô lará
O estandarte do sanatório geral vai passar
Ai que vida boa, ô lerê,
ai que vida boa, ô lará
O estandarte do sanatório geral... vai passar