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This is Alexia reading an excerpt from the book “O jeitinho americano” by Matthew Shirts. We review vocabulary and expressions in S03:E36 - O Jeitinho Americano Parte II.
Como aprendi o português?
Matthew Shirts
Gosto muito de uma cena no filme ‘Quase famosos’ que trata do jornalismo nos tempos de Rock’n’Roll. Nela, o aviãozinho em que viaja, a banda começa a cair. Os rockeiros não se contém diante da morte eminente e, apesar do repórter, desandam a revelar seus segredos.: ‘Tive um caso com a sua mulher.’, ‘amo você’, ‘sou gay’ e por aí vai. Mas os pilotos conseguem controlar a aeronave e todos ficam com a cara de tacho, para, logo a seguir, se entregarem a umas boas risadas.
Tive um momento desses no fim-de-semana retrasado. Voava de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, para a cidade vizinha de Dourados, num bimotor Sêneca de 4 lugares, sem contar os dois pilotos.
Estava a caminho de uma exposição agropecuária, onde deveria proferir uma palestra.
Há 30 anos, morei em Dourados. Foi lá que fiz o último ano do colégio como aluno de intercâmbio e conheci o Brasil.
Nosso primeiro avião, um monomotor, não quis pegar. Entramos nele, o meu filho mais velho, Lucas, Giorgio, irmão meu dos tempos de Dourados, do colégio Imaculada Conceição e do Clube de Campo Indaiá, e seu cunhado, Ralph. Os dois pilotos sentaram-se nos bancos
da frente, claro. Mas quando foram dar a partida, nada. Apenas um barulhinho pifiu do motor de arranque, ou do que imagino ser o motor de arranque. E só. A bateria estava arriada.
Minutos depois, aparece uma equipe de manutenção com duas baterias dessas de automóvel, e aqueles fios utilizados para transferir corrente eléctrica. Lucas e eu, com pouca experiência em aeronaves monomotores, trocamos um olhar de preocupação. Como se não bastasse, a operação falhou. O motor fez aquele mesmo ruído e nada.
Trouxeram outro aparelho, este de aparência mais robusta e, no fim, conseguiram dar a partida.
Fomos até ao início da pista onde esperamos bastante jatos da Tam passando por cima, próximos demais, me parecia, até receber dos pilotos a notícia de que teríamos de retornar ao hangar. Os dois rádios apresentavam defeitos. Seria preciso trocar de avião.
Não sei você, mas voar ainda me causa alguma apreensão e os acontecimentos ali no aeroporto de Campo Grande, não chegavam a me acalmar os nervos.
O segundo avião, o bimotor, pegou sem dificuldades. No entanto, já no fim do dia, partimos em direção a Dourados.
O vôo me tocou a alma. Voltava com o meu filho, depois de 30 anos, para o lugarzinho onde começara a vida no Brasil. Lá fora o sol se punha entre os vastos campos de Mato Grosso do Sul. Embaixo, uma queimada lançava chamas e luzes pelo crepúsculo, provocando arrepios.
Não houve pane nenhuma durante o vôo, mas Giorgio, talvez comovido pelo contexto, confessou que precisava me contar uma coisa. Fora ele o meu primeiro professor de português, lembrou.
Quando nós nos conhecemos, em 1976, eu nada falava da língua de Camões. Nada mesmo. Zero. Titubeou um pouco antes de começar, mas no fim desembuchou: ’É que quando você chegou aqui, lhe ensinamos como se apresentar. Aos homens dissemos, você deveria dizer ‘Muito prazer!’, mas quando dirigido às mulheres, o cumprimento era mais elaborado. A elas você deveria dar beijinhos no rosto e dizer ‘Muito prazer, eu vou-te comer’.’
Todos ali no avião adoraram a história, menos eu, é claro. Ainda mais quando insistiram em saber durante quanto tempo cheguei a cometer tal barbaridade, sem conseguir do Giorgio uma resposta convincente.
Lucas quase passa mal de tanto rir. A imagem do pai dele, sério, tentando caprichar na pronúncia do português para se apresentar às garotas, com aquela frase era, digamos, engraçada demais para ser verdade.
Se falei assim para as senhoras, então, bom, nem quero pensar… Mas parece que foi assim mesmo que aprendi as primeiras palavras de português. Não me recordo da reação das garotas Douradenses. Desde o início achei elas espirituosas, no entanto. Vai ver que algo tinha a ver com a minha maneira heterodoxa de cumprimentá-las.