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Foster: Uma coisa muito curiosa que você falou, que nunca sabia, é que os católicos pedem para o santo direito, né?
Alexia: Uhum.
Foster: Eu, como protestante, isso parece bem ao contrário, né? Pedir alguma coisa para um santo e não para o Deus direto, e não para Jesus Cristo, né?
Marco Antonio: Isso daí é o seguinte: você pede pela intercessão, que é uma palavra dificinha, é o seguinte, para que o santo leve a Deus e a Jesus Cristo o seu pedido. Basicamente, é isso. Embora o pessoal mais humilde peça para o santo mesmo. Inclusive tem um negócio aqui no Brasil que é muito engraçado, o sujeito vai tomar uma cachaça no bar, ele pede a cachaça num botequim (um bar assim mais pobre e tal), ela pega um pouquinho da pinga, deixa cair no chão e fala "para o santo". E daí ele pega e toma o restante.
Botequim. A small, local bar. Usually frequented by working-class people.
Foster: E pode explicar para a gente o que é pinga?
Marco Antonio: Pinga é cachaça, é a aguardente brasileira feita de cana-de-açúcar e muito álcool, uma bebida bem popular.
Alexia: Que você adora, né, pai?
Marco Antonio: Não adoro, não. Eu não gosto, ela é muito forte.
Foster: Eu acho muito forte.
Marco Antonio: E eu bebo quase nada, então... mas, enfim, você pede a intercessão, você pede que o santo leve o seu pedido até Deus. E a gente fala aqui muito ceticamente ou muito às vezes criticamente, mas a gente tem que entender o seguinte: uma mãe que está pedindo pela vida de um filho, a gente tem que respeitar aquele pedido, aquele amor que ela dedica ao santo, que ela dedica a Deus.
Alexia: É uma prece de desespero, né?
Marco Antonio: É, a gente tem que entender quantas aflições a humanidade passa sem ter a quem recorrer, se recorre então a Deus - por intermédio de um santo ou não. Basicamente, é isso. Então as velas nas igrejas elas ardem (essa é outra palavra em português). As velas ardem.
Foster: Ardem quer dizer queimam.
Marco Antonio: Queimam. Com mil pedidos de tudo: emprego, doença, alguém na família que está numa situação muito difícil. Em Roma Antiga (Roma Clássica), descobriram um muro - não tem nada a ver com o catolicismo - onde as pessoas que moravam em Roma colocavam bilhetinhos para os deuses. Então era para os deuses romanos. E tinha lá a mesma coisa: cura o meu filho, ajuda o meu pai, ou seja, o sentimento, independente da religião, de procurar alguma coisa para ajudar um filho doente ou alguma coisa é universal e independente da religião. Isso é uma coisa importante.
Alexia: É muito bonito, né?
Marco Antonio: É verdade.
Foster: Eu acho super bonito.
Marco Antonio: Isso é verdade.
Foster: Eu acho muito importante para a cultura brasileira também. Até tem feriados para quase todos os santos. Hoje é feriado.
Alexia: Hoje é feriado.
Foster: Para o São Jorge.
Alexia: Sim. A igreja de São Jorge está lotada. As pessoas vão lá participar da missa, fazer os seus pedidos, tem procissão, tem tudo. Tem um santo ou santa, que eu esqueci, que é lá na Bahia, que o pessoal lava as escadas... você sabe, pai?
Marco Antonio: A lavagem das escadas não é para algum santo em particular.
Alexia: É para todos.
Marco Antonio: É para todos. Pessoas de outras religião (espíritas, umbandistas) eles lavam e fazem a lavagem das escadarias das igrejas como prova de amor, como prova de carinho pela...
Alexia: Ah, isso é até uma coisa importante. Os santos não são só da religião católica, né? Também são dos umbandistas, do espiritismo.
Marco Antonio: Aí você entra em uma coisa chamada sincretismo religioso que é o seguinte: a pessoa que é da umbanda, por exemplo, transforma...
Sincretismo religioso. Religious syncretism.
Foster: Umbanda é uma religião brasileira, né?
Umbanda. An afro-Brazilian religion, quite popular in Brazil.
Marco Antonio: Uma religião brasileira vinda dos africanos, ela "transforma" o santo e dá um outro nome, então por exemplo, eu não tenho aqui agora a cultura para falar para vocês disso, mas eles misturam, eles pedem também para os santos católicos e também para as entidades.
Alexia: Entidades. Exatamente.
Marco Antonio: É, da Umbanda, tipo Iemanjá, que é a rainha do mar...
Alexia: Que na verdade seria a Nossa Senhora.
Marco Antonio: Exatamente. Então esse sincretismo, ou seja, essa mescla de religiões, isso daqui existe no Brasil bastante. Nós temos inclusive nossos primos de São Paulo, que frequentam igreja, budismo e também uma sessão de espiritismo. Então não existe muita, graças a Deus, muita... é, "graças a Deus" é muito bom!! Não existe muito fanatismo fundamentalismo.
Foster: É super interessante. A coisa que eu vejo pessoalmente nos Estados Unidos hoje em dia que está crescendo mais e mais, o fanatis... como é que fala isso?
Marco Antonio: Fanatismo religioso. Fundamentalismo.
Foster: E no Brasil tem muito pouco.
Alexia: Uma coisa que eu sou muito orgulhosa do Brasil é que a gente não tem nenhum tipo de briga religiosa. Todos se respeitam. Não é verdade, pai? Você anda no Leblon que tem uma sinagoga radical de judeus completamente radicais, em frente tem um frente de estudos também de judeus que são completamente não-radicais - é o oposto - e no meio de uma cidade completamente católica. Não tem um preconceito, né?
Marco Antonio: É, o fanatismo é um ponto fora da curva. O fanatismo é uma coisa que não é normal, graças a Deus!
Foster: Mas, está ficando mais e mais na moda internacionalmente, né? Eu acho.
Marco Antonio: A radicalização no mundo, principalmente a religião islâmica, é uma coisa preocupante. É motivo aí - todo mundo sabe - de atentados, etc. E isso aqui no Brasil não chegou ainda. Chega pela imprensa. Vai acabar chegando infelizmente, mas não da forma violenta como é na Europa ou nos Estados Unidos, que são sempre o alvo principal desses fanáticos. É a noção da liberdade que eles não conseguem entender. Mas, isso daí é melhor ficar por aqui, senão alguém muito muçulmano... mas, eu não estou falando dos muçulmanos, eu estou falando dos radicais de todas as religiões.
Alexia: E convenhamos que tudo em exagero faz mal, né?
Marco Antonio: Claro, exatamente. Então vamos ficar com a mensagem de todas as religiões que sempre é a mensagem de paz, né?
Foster: Exatamente.
Marco Antonio: A mensagem mais importante do mundo, na minha opinião, é aquilo que falou Cristo: "Amai-vos uns aos outros". É uma frase simples, mas que revolucionou o mundo. A gente faz exatamente o contrário, mas o que deveria ser feito era isso. Porque isso aí acaba com todo o tipo de preconceito, todo o tipo de desamor, de ódio, mas a gente está ficando muito espiritual aqui. A gente está fazendo quase um programa religioso, não?!
Foster: Não, eu acho isso ótimo. E foi muito bonito.
Alexia: Pai, você dá uma aula, né? Você sabe disso.
Foster: Você deu uma aula. Mas, eu tenho mais uma pergunta para finalizar.
Marco Antonio: Pois, não.
Foster: Você acha que os santos, com o estado político brasileiro hoje em dia, que os santos estão recebendo muitos pedidos ultimamente?
Marco Antonio: Então. Eu vou dizer mais. Acabou de ter um português muito coloquial. Foi realizada uma votação na Câmara a respeito do impeachment da presidente Dilma. E todos os deputados ao votarem - eles são o espelho, que a gente queira ou não, são o espelho do povo brasileiro -, eles falaram muito em Deus, 90% em Deus.
Foster: Até mais.
Marco Antonio: Mais. 99% disseram 'Por Deus' e dava o voto. 'Por Deus, pela minha família'.
Foster: 'Pela minha filhinha que está fazendo'...
Marco Antonio: 'Pela minha filha', 'Pela minha professora', etc., mas sempre tem Deus e a família. Então, eu queria colocar um pouquinho de seriedade nisso. Foi um espetáculo horroroso, um circo quase. Mas, eu li uma coisa interessante, onde um pensador falava o seguinte: o povo brasileiro tem em Deus e na família, a única coisa que eles confiam (Deus, família, amigos). Porque eles não confiam em mais ninguém: na política, eles não confiam em leis, eles não confiam que... essa erosão política no Brasil é uma coisa muito séria. Então, qualquer pesquisa que apareça é o seguinte: com quem que você conta? Com Deus e com a minha família. Então esse circo que os deputados armaram, se você colocar isso numa lupa, você consegue ver alguma coisa por trás disso. Agora ao chegar em casa, o chofer do táxi, eu peguei o táxi e eu falei "Até logo, obrigado", ele falou "Até logo, vai com Deus". Então é uma coisa tipo, a gente confia em Deus, a gente não confia em mais ninguém porque destruíram a nossa confiança. Cai viaduto, cai não sei o quê...
Alexia: Mas, isso é um papo para outro podcast, né?
Marco Antonio: É.
Foster: É, a gente vai ter um podcast política também. Mas, eu acho importante porque é recente, né?
Marco Antonio: Não, mas eu acho que aí pegou uma coisa que eu falei de Deus, não é? As pessoas falam 'Vai com Deus, irmão', sem te conhecer. Porque na hora do perigo, eles sabem que eles podem contar só com duas entidades: a família, os amigos e Deus. Basicamente, é isso, eu acho, basicamente.
Alexia: Tá certo.
Foster: Tá certinho. Então, obrigadão!
Alexia: Espero que vocês tenham gostado.
Foster: Eu aprendi muito. Isso para mim foi uma aula sobre a religião brasileira.
Alexia: Meu pai é o máximo!
Marco Antonio: Eu espero que quem tenha escutado tenha gostado. A gente está aqui para bater um papo informal e acostumar vocês que querem aprender o português, com o som, a música da língua, né? Eu estou falando aqui de uma forma absolutamente informal. Não estou escolhendo as palavras. Eu estou falando como um brasileiro falaria mesmo. Então isso é muito importante para quem quer aprender a nossa língua, bem-vindos sejam!
Alexia: Ótimo! Muito obrigada, pai.
Foster: Obrigado, Marco.
Alexia: Espero que vocês tenham gostado e qualquer dúvida mandem e-mail para a gente, deixa comentário, tenta falar, conta alguma história, qualquer coisa. A gente está aqui para ajudar vocês.
Foster: Tá. Até a próxima! Tchau, tchau!
Alexia: Tchaaau!
Marco Antonio: Bye, bye!