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Foster: Gravando!
Alexia: Oi, gente, estamos aqui de novo com o Marco Antonio, que é meu pai, e com o Foster!
Foster: Seja bem-vindo, Marco! Muito obrigado.
Marco Antonio: Muito obrigado, prazer!
Alexia: Ele gostou muito da gente, gostou muito de gravar conosco e resolveu contar mais uma das histórias dele.
Resolveu contar mais uma das histórias dele. He decided to tell us another one of his stories.
Foster: Tá, eu queria começar, Marco, com uma pergunta bastante pessoal. Posso fazer uma pergunta pessoal?
Marco Antonio: Claro! Claro.
Foster: Quantos anos você tem?
Marco Antonio: Setenta.
Foster: Setenta anos?
Marco Antonio: Eu nasci... muito obrigado!
Foster: Não eu acredito! Parece que você tem 38.
Alexia: Que pela-saco!
Foster: Não. Eu estou falando que tenho 26 e a maioria dos meus amigos aqui no Rio tem 26, 30, por aí. A Alexia também...
Alexia: Tenho 26.
Foster: Então, somos crianças, e realmente eu não sei muito da história do Rio de Janeiro e você realmente viveu a maioria dessa história, você viu a ditadura, um monte de coisas que eu não sei. Então, se pode contar para a gente algumas das épocas mais importantes e como é que foi o Rio de Janeiro como criança e coisa assim?
Marco Antonio: Foster, aí eu tenho que te falar uma coisa: a época da ditadura eu morava em São Paulo, tudo bem?
Foster: Tudo ótimo. Ah, pode contar também.
Alexia: Não, mas eu acho que não difere muito a ditadura que foi sofrida em São Paulo e a do Rio de Janeiro, né? Seria a mesma...
Marco Antonio: É, isso daí aconteceu em 64.
Alexia: Você tinha quantos anos?
Marco Antonio: Eu morava em São Paulo, nasci em 45, então dá 20 anos, mais ou menos?
Alexia: Vinte e poucos.
Marco Antonio: Vinte e poucos aninhos! Então...
Foster: 20 anos, em São Paulo.
Marco Antonio: Em São Paulo.
Foster: Ditadura. E isso é a cena?
Marco Antonio: Essa é a cena. Aliás...
Foster: E o Marquinhos Antonio estava lá fazendo o quê?!
Marco Antonio: Eu estava lá estudando e basicamente fazendo pouca coisa importante para a minha vida, mas teve uma prévia... em 63 e tal, só se falava em Revolução Socialista, Liga Camponesa, Cuba, tinha um cara chamado Leonel Brizola, que era cunhado do presidente do Brasil, o Jango Goulart, que queria uma revolução de esquerda, enfim, tinha um golpe de esquerda sendo preparado, vamos dizer assim, a república sindicalista, uma coisa por aí assim. E, vamos chamar de direita para ficar mais fácil, o pessoal de direita apavorado com isso, começou a se organizar.
Foster: Uhum.
Marco Antonio: Claro que se você escutar alguém de esquerda, vai contar uma história que o Brasil era um país super democrático, que aqui cantavam passarinhos e de repente chegou os militares e tal, mas a história não é bem assim, não. Eles queriam realmente desapropriar terras, um negócio violento. E daí houve reação, que veio com um golpe militar. Ou a gente chama de golpe militar (está perfeita a semântica)...
Foster: O que quer dizer? Golpe de estado, né?
Marco Antonio: Golpe de estado. Coup d'état, como vocês se chamam.
Foster: É interessante que agora também as pessoas estão usando a palavra golpe.
Marco Antonio: É, também usando a palavra golpe e tentando fazer um paralelo com 1964 que não tem nada a ver.
Foster: Alexia, você acha que...
Alexia: Não tem nada a ver! As pessoas são loucas.
Marco Antonio: Nada. Agora está sendo conduzindo um provável, um possível impeachment pelo Supremo...
Alexia: Vai acontecer, né, gente?
Marco Antonio: Acho que sim. Pelo Supremo Tribunal Federal, com aprovação ou não da Câmara inteira, do Congresso inteiro, enfim, não é um golpe.
Alexia: O Brasil está paralisado hoje em dia por causa disso, ninguém sabe o dia de amanhã. Só que na época a ditadura era algo muito terrível.
Marco Antonio: É, na época... é o seguinte: na época de 64, quando houve então o golpe, a palavra era 'revolução'. A Revolução de 64, pouca gente gosta de lembra disso, mas todo mundo era a favor, inclusive, a imprensa.
Alexia: Por quê?
Marco Antonio: Porque achava-se que iriam dar uma limpada no Brasil, na corrupção...
Foster: Uma limpada?
Alexia: Fazer uma limpa!
Marco Antonio: Uma limpeza, uma limpeza.
Foster: Entendi 'empada'!
Marco Antonio: E que então iriam ser feitas eleições rápidas e o Brasil iria entrar na linha, etc. e tal. Acontece que não foi nada disso o que aconteceu. Os militares foram se perpetuando no poder e cada vez mais radicalizando até chegar ao paroxismo de editarem um ato chamado Ato Institucional Número 5 que...
Foster: Ah, eu lembro disso!
Marco Antonio: Que era basicamente o seguinte: não existe nenhum direito, dava mais direitos como se fosse um reinado absolutista, quer dizer, e daí essa falta de direitos total, a lei não valendo, passou a valer a lei da violência. Houve casos lamentáveis de prisão, de tortura, de morte, houve quase que uma guerra civil. Contra quem? Contra grupos esquerdistas, óbvio, que pegaram em armas para combater o governo, para combater esse golpe militar.
Alexia: Mas, pai, me explica uma coisa: a própria imprensa era a favor dos militares, só que a imprensa sofria muito tipo de censura.
Marco Antonio: Não, mas depois foi passando, filha.
Alexia: Ah, tá.
Marco Antonio: Depois os militares foram radicalizando, a imprensa ficou contra, o Estado de São Paulo tinha notícias censuradas, então colocava receita de bolo no lugar, como quem diz 'Oi, estamos sendo censurados'. Aí começou realmente...
Alexia: Muitas músicas foram censuradas...
Marco Antonio: Tudo, tudo foi censurado.
Alexia: Chico Buarque, Caetano Veloso...
Marco Antonio: Chegou ao cúmulo do Balé Russo, que iria se apresentar em São Paulo, ser proibido de se apresentar por ser russo. Foi uma coisa assim... uma República Bananeira! Um negócio absurdo, total, e muita, muita violência. Os grupos que lutaram contra eram praticamente vindos de universidades, uma classe média mais politizada e eles foram quase que massacrados pelo aparato militar, principalmente policial, sem freios do Governo. Agora, deve-se dizer também uma coisa importante, que também hoje em dia ninguém fala: a presidente do Brasil, por exemplo, a Dilma Rousseff, ela foi guerrilheira nessa época. Ela então pegou em armas contra a ditadura militar, mas a história que ela conta para por aí. Mas, tem uma vírgula: ela lutava contra a ditadura militar para instalar aqui uma outra ditadura, a ditadura do proletariado, ou seja, a ditadura comunista. Estava escrita lá nos estatutos das organizações dela e de outros, eles lutavam para fazer do Brasil uma grande Cuba. Então, sair de uma ditadura de direita para cair em uma ditadura de esquerda. Acontece que a revolução foi se tornando cada vez mais conhecida como um golpe.
Alexia: Também tinham vários setores da ditadura, né? Tinha o pessoal do DOI-CODI, como é que era isso?
Marco Antonio: Era o seguinte: o pessoal do DOI-CODI fez a parte da repressão. No livro do Elio Gaspari, ele escreveu três livros sobre a ditadura brasileira, e ele conta que...
Alexia: Quem é o Elio Gaspari?
Marco Antonio: O Elio Gaspari é um jornalista que se aprofundou muito nessas histórias da revolução e fez três livros fundamentais. Num deles, ele disse inclusive o seguinte, que esses que eram chamados de terroristas na época ou subversivos - na realidade, eram subversivos que eram chamados -, eles foram dizimados pela polícia normal, e não pelos militares. Os militares também tiveram culpa, tiveram bastante responsabilidade no que acontece. Mas, quem pegou mesmo o pessoal foram os policiais. Eles aplicaram as técnicas que eles são acostumados, de pegar um preso, torturar e o sujeito então contava tudo o que acontecia, quem era os outros, tal e tal, e daí aquilo foi caindo como um castelo de cartas, a parte mais organizada do Partido Comunista Brasileiro fez uma tentativa de guerrilha rural e que deu errado por falta de tudo - mandar universitários, coitados, idealistas para o meio da selva -, morreu de doença e também de combates, de tiro e tudo. Em resumo: a ditadura (essa de direita) venceu e depois se esgotou. Tem que escrever um livro sobre isso, porque ela se esgotou e como é que foi. Mas, de repente, eles permitiram eleições, permitiram partidos políticos e, de repente, ela derreteu. Derreteu como um sorvete ao Sol.
Alexia: Mas, a ditadura também não acabou de um dia para outro, né? Foi muita pressão popular.
Marco Antonio: Foi muita pressão popular.
Alexia: Tinham os 'cara-pintadas' que foram às ruas.
Marco Antonio: Tinha. Tinha 'Diretas Já', que é a oposição que gritava nas ruas.
Alexia: Que eram jovens, que o papai falou antes, em massa os jovens de todas as idades e também classe sociais - eu imagino - iam para a rua pintados, que eram os 'cara-pintados' a favor da democracia e a favor de um novo país.
Marco Antonio: É, esses realmente estavam a favor da democracia. Eles gritavam 'Diretas Já', que eram 'Eleições Diretas Já' e gritavam um basta, um 'chega!', enfim...
Foster: Isso foi em que ano?
Marco Antonio: Aí já foi para 64... nos anos 70.
Alexia: 72, eu acho. Faz pouco tempo, se você pensar. Faz pouquíssimo tempo.
Marco Antonio: Não, faz pouco tempo. Mas, enfim, depois então o Brasil foi se redemocratizando e finalmente...
Alexia: Quem foi o primeiro presidente do Brasil da época democrata?
Marco Antonio: Seria o Tancredo Neves. Mas, aí aconteceu uma coisa trágica: ele morreu antes de tomar posse. Então fizeram uma espécie de um acordum...
Foster: Bom, primeiro ele morreu.
Marco Antonio: Ele morreu de câncer. E foi eleito então presidente o nosso José Sarney, essa figura maravilhosa!
Alexia: Gente, é um horror essa pessoa!
Marco Antonio: Tão honesta, tão pura, tão competente! Mas, enfim, serviu como um mandato tampão, depois então o Brasil seguiu...
Alexia: Mandato tampão seria?
Marco Antonio: Seria um governo de ligação entre uma votação pura (direta) e o que estava acontecendo. E a partir daí o Brasil então consolidou uma democracia um pouco frágil no começo, mas que persiste até hoje. A democracia existe.
Alexia: A nossa Constituição é de 1988, se não me engano.
Marco Antonio: Em 1988, fizeram uma Constituição chamada Constituição Cidadã. O grande incentivador foi Ulisses Guimarães, um político respeitado. E dessa democracia, embora...
Alexia: Só deixando uma coisa bem clara: a gente vive dessa Constituição até hoje.
Marco Antonio: Vive até hoje.
Alexia: Ela nunca foi refeita, ela nunca foi atualizada, ela nunca foi adaptada.
Marco Antonio: Não. É uma Constituição muito prolixa.
Foster: Prolixa? O que é isso?
Marco Antonio: Prolixa é muito detalhista, ela não é como a americana que tem conceitos, ela diz até quando é que pode cobrar de juros por mês. É claro que isso é impossível você determinar...
Foster: Não, é tipo, ‘Life, liberty, and the pursuit of happiness.’
Marco Antonio: Por aí. Mas, enfim, o Brasil mal ou bem é cheio de defeitos. Eu apontaria aqui 500 defeitos, mas a democracia subsiste. E ela continua existindo, apesar da crise política sem paralelo que o Brasil enfrenta, crise econômica, crise moral...
Alexia: É um dos países mais corruptos do mundo!
Marco Antonio: Crise moral, crise política e crise financeira. O Brasil está parado. São dez milhões de desempregados hoje, no dia em que eu estou falando. As empresas paradas, o investimento exterior, zero! Enfim, uma presidente que está sendo 'impeachada'.