Foster: Então, seja bem-vindo a mais um episódio de Carioca Connection. Hoje a gente tem o Pablo. O Pablo é um professor de Relações Internacionais. Mas, também ele é um amante da música brasileira. Não é, Pablo?
Pablo: Certamente.
Foster: Então, eu lembrei do primeiro dia que eu cheguei aqui... pela segunda vez, né? A gente pegou praia e você me falou que o Brasil tem um dos raízes mais fortes... é uma 'das raízes'?
Pablo: Das raízes.
Foster: Das raízes mais fortes musicais do mundo inteiro. Por que você falou isso?
Pablo: Porque eu acredito que a identidade brasileira no mundo é melhor representada pela música. A música é o cartão de visitas do Brasil e a música brasileira extrapola a essência do homem brasileiro, a sua espontaneidade, a sua criatividade, a sua alegria, o seu sorriso. E eu acho que a música brasileira leva o que tem de melhor do Brasil. Embora, muitas vezes algumas músicas brasileiras levem também o que a gente tem de pior. Isso tem sido mais... a nossa música hoje que tem alcance internacional não é a música que considero mais produtiva da nossa história musical. Mas, disso eu falo depois. É importante falar do que é bom.
Foster: A gente pode falar do bom primeiro. Mas, isso foi profundo, cara! Mas, eu concordo. Eu li, não lembro de quem, mas foi um escritor americano que estava visitando o Brasil, ele falou que para entender o Brasil, você tem que escutar a música primeiro. E eu concordo com isso, né?
Pablo: É porque a gente tem aqui no Brasil um povo muito miscigenado. Então, a grosso modo, de forma muito simples, a gente pode falar que as nossas heranças são europeias (principalmente portuguesa), africana e indígena. E a nossa música reflete essa miscigenação. Existe um sincretismo muito forte entre os ritmos... a batucada africana, o violão português...
Foster: Batucada é ritmo da bateria, né?
Pablo: Da bateria. É a alma do samba. E o samba eu acredito que seja o estilo musical que melhor representa a brasilidade. Mas, isso porque...
Foster: Vamos começar com o samba. Porque o samba é a coisa que todo mundo já conhece, né? Quando a gente pensa no Brasil, a gente pensa no samba, no futebol e nas praias. E só isso.
Pablo: Esses elementos estão todos integrados porque, por exemplo, se você pensa no futebol, você vai pensar na criatividade e no malabarismo dos jogadores brasileiros que sempre encantaram as plateias do mundo inteiro. O Pelé que é o maior jogador da História...
Foster: Debatível!
Pablo: Debatível. Mas, em números ele é insuperável. Enfim, temos diversos outros jogadores. É o país que mais tem Copas do Mundo. Tudo isso que eu estou falando é questionável do ponto de vista do esporte porque o esporte em nenhum país é 100% vitorioso em tudo. Com exceção do basquete nos Estados Unidos.
insuperável - insuperable, insurmountable Most words that end in -ível or -ável in Portuguese will end in able in English. debatível - debatable apreciável - appreciable imbatível - unbeatable insuperável - insuperable inacreditável - unbelievable
Foster: Exatamente.
Pablo: E o samba, eu acredito que tem um elemento da negritude do africano, tanto no samba quanto no futebol...
Foster: Negritude?
Pablo: Negritude é blackness. Blackness. No início, tanto o samba quanto o futebol nos seus estágios iniciais, o negro era um elemento subversivo. Porque o Brasil tinha uma intenção de se embranquecer. O discurso oficial do Brasil era de embranquecimento. Tanto que quando acabou a escravidão no Brasil, a primeira medida que o governo brasileiro fez foi proibir a vinda dos imigrantes africanos e ao mesmo tempo naturalizar todos os europeus. Todos os europeus que aqui estavam tinham uma naturalização automática.
Foster: Entendi.
Pablo: Por que eu estou falando isso? No início, quando ele surge do... ele vem muito dos escravos, que faziam os seus cânticos. E vem também do choro que é a roda de choro e os instrumentos que são a base também da formação do samba. E era algo do marginal, do bandido, né?
Foster: Marginal quer dizer as pessoas que são fora...
Pablo: Fora da lei.
Foster: Da sociedade, né? E só para colocar no contexto, a gente está falando de mais ou menos qual época?
Pablo: Certo. Isso eu estou falando no final do século XIX. Durante todo o século XIX você tem as formações iniciais assim. Eu não vou entrar muito no debate sobre as primeiras músicas, a barroca, que é uma música mais erudita porque eu não tenho conhecimento o suficiente para falar sobre isso.Mas, do samba, eu tenho uma vivência um pouco maior porque é o ritmo que eu mais amo. E eu acho que essa influência do negro no samba está muito vinculada a essa marginalidade. O samba era coisa do bandido. O samba era proibido. Era um ritmo transgressor, que não era bem mais aceito pelas elites do Brasil.
Foster: Mas, proibido em qual sentido?
Pablo: Proibido legalmente. O samba era coisa de bandido, coisa do ex-escravo ou do escravo liberto. Então as elites queriam ouvir a música clássica europeia, a música erudita. Mas, o poder da música é incontrolável. Tanto que no início do Carnaval, antes do Carnaval ser esse grande empreendimento, essa grande indústria que é hoje, a imagem do malandro está muito vinculada ao samba. A tradução de malandro você está fudido para falar o que é aqui!
Foster: É, pode falar, o que é um malandro?
Pablo: Malandro é a figura do...
Foster: Quando eu penso num malandro, eu estou pensando num cara na Lapa que está usando chapéu branco, que tem um jogo cintura, tipo espertinho.
Pablo: Exatamente. É um cara que tem malevolência.
Foster: Mas, o malandro pode ser bom e pode ser mau.
Pablo: Exatamente. Pode ser bom e pode ser mau. Mas, o malandro no sentido que eu estou falando aqui é aquele cara que está fora das regras sociais da elite e cria a sua própria vivência sem depender do Estado. Então ele se vira, né? Pelo fato dele passar tanta dificuldade, ele cria esses seus trejeitos.
Foster: É um tipo de empreendedor brasileiro.
Pablo: É o empreendedor brasileiro. Exatamente.
Foster: Então eu tenho uma pergunta bastante pessoal para fazer. Posso fazer? Pablo:Claro! Falou!
Foster: Você se considera um malandro?
Pablo: Sou! Com certeza! Da cabeça aos pés! Eu tenho o maior orgulho de ser malandro e eu sei o quanto isso pode soar negativo, mas eu sei que o conteúdo mais importante é a autenticidade disso, de saber que eu sou um produto de uma miscigenação, de vários ritmos e o brasileiro é muito isso, sabe, eu acho que a gente não pode negar essa identidade. O que tem que fazer é trabalhar essa identidade adaptando ela para os valores morais. Para a gente não pensar que o malandro é o bandido no sentido de mau caráter. Você pode ser malandro e ser um cara gente boa, ser um cara de bom caráter.
Foster: Então, você é carioca. E eu já ouvi vários debates sobre onde começou o samba. É baiano ou é carioca?
Pablo: Eu não vou entrar nos méritos dessa discussão porque...
Foster: Pode. Pode.
Pablo: Eu acredito que o samba seja carioca.
Foster: Óbvio, né?
Pablo: Mas, que tenha sofrido várias influências da música baiana, do samba baiano. Mas, é aqui que os músicos se transformaram em embaixadores do ritmo samba. Os grandes sambistas... todas as regiões do Brasil tem grandes sambistas. Até São Paulo tem o Adoniran Barbosa que são ícones também do samba. Inclusive são algumas figuras que não são necessariamente negros. São os brancos do samba que se incorporaram nessa tradição e que enriqueceram toda essa cultura.
Foster: Eu acho que é certo para falar que o samba é a música nacional, mas ao mesmo tempo eu acho que o samba nasceu aqui nas favelas do Rio de Janeiro.
Pablo: Sim. Exatamente. Você já visitou os berços do samba no Rio. A Pedra do Sal que é onde fala-se que é onde nasceu o samba. E a Pedra do Sal é o lugar onde se vendia escravos, era um mercado de escravos. Então a vinculação do escravo com o samba é praticamente natural, é uma coisa genuína.
Foster: Mas, para os americanos e para os gringos que estão vindo para o Brasil, a Pedra do Sal é...