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Alexia: Ó, então já tenho uma pergunta para te fazer, da onde você é no Brasil? Com esse sotaque?
Gabi: Eu vim do interior do Nordeste gente… vim de Teresina, a única capital sem praia do nordeste. Então já fui abençoada de nascimento. Mas não me conformei e quando fui fazer faculdade, escolhi Fortaleza para viver. Foi assim, um dos vestibulares na época, ainda fiz o vestibular seriado… nossa gente… e aí tinha Fortaleza alí pertinho pra fugir do calor de Teresina… porque Nossa Senhora… nossa mãe… aquele lugar é maravilhoso, minha cidade, mas gente, a única capital do nordeste sem mar… dói.
Alexia: Deve ser uma estufa né. Deve ser muito quente.
Gabi: Então Teresina é um lugar maravilhoso. Eu sou suspeita né… a gente tem… a gente compensa as nossas ausências geográficas com o calor. Todo mundo que vai para Teresina se sente muito bem recebido, um pessoal muito hospitaleiro. Fora que a comida é maravilhosa, cerveja mais gelada que você vai beber no país inteiro está lá. Porque a gente compensa essa temperatura. E fora também assim, as pessoas, todo mundo é um povo muito guerreiro tudo mais… mas para compensar ainda fica numa leve depressão entre dois rios. Então o vento passa por cima e a gente ainda conta com a umidade dos dois rios ao redor. Nossa…
um pessoal muito hospitaleiro - a very hospitable people
Alexia: É, realmente… é muito quente.
Gabi: Você já esteve lá?
Alexia: Não, mas eu fico imaginando porque… se no Rio de Janeiro com mar já era quente… imagina em Teresina como é que deve ser.
Gabi: Pois é, e o pior que é assim, é que lá no Nordeste… a gente não tem inverno né, não tem nada, não tem o período de temperatura mais amena. A gente tem um período de chuva e um período sem chuva. E no período sem chuva fica muito mais calor. Que é o que a gente chama do BR ao BRO que começa de setembro, outubro, novembro e dezembro. Todos os meses que terminam com BRO no final são os meses mais quentes do ano. Que nossa Alexia… nossos 40 graus no pingo do meio-dia, como o povo fala… Deus, dá uma tristeza, mas dá um cansaço de vida. E aí vim parar aqui né, na Suécia.
Alexia: Que é o oposto, literalmente…
Gabi: Imagina, ainda bem que eu cheguei aqui… o corona atrasou a minha chegada. Era para ter chegado em março, que é o comecinho da primavera, e acabei chegando no final da primavera já, e começo do verão. Então foi bom para eu transicionar entre as estações e encarar esse inverno absurdo… que foi a primeira vez na vida que eu tive isso… de 4 horas de luz e só. E muito frio…
Alexia: Mas espera aí, espera aí… você foi então para Fortaleza… você fez faculdade lá e aí você foi direto para Suécia? Foi isso ou não?
Gabi: Não, nossa teve um trajeto. Eu fui para Fortaleza para fazer engenharia química lá, porque a Federal do Piauí não tem engenharia química, tem outras engenharias mas não tinha química… eu acho que não tem até hoje. E lá eu fiquei para o mestrado e mais da metade do meu doutorado. Durante o doutorado eu fui para a França… passei um ano lá… mas era no sul da França… então mesmo no inverno não era frio como é aqui. Aí volta para Fortaleza, defende, volta para Teresina, um milhão de coisas acontecem… passa dois anos em Teresina e vim para cá. E aí eu vim de Teresina direto para cá porque os aeroportos estavam fechados. E nem dava. Mas vim de Teresina direto para cá passando por todas as escalas possíveis e imagináveis que o corona me colocou. Nossa um caos chegar aqui gente…
Alexia: E Gabi assim… no sul da França dizem que é lindo… o sul da França dizem que é um paraíso perdido, que é maravilhoso, etc. E você foi fazer o quê lá? Você foi fazer parte da sua faculdade?
Gabi: Eu fui fazer o doutorado sanduíche. Na época foi mais ou menos no período do boom do Ciência sem Fronteiras. Mas o programa de doutorado sanduíche já existia antes e pelo que eu soube era uma base onde foram elaborados os parâmetros dos Sem Fronteiras. E aí o programa me levou para lá. Eu fui para Lyon e passei esse ano lá. Sou muito suspeita porque… de morar em Paris e morar em Lyon, sem dúvidas voltaria para Lyon, sem titubear. Paris é linda, maravilhosa mas Lyon… nossa, é uma jóia. E dali para o sul da França… o Cote d'Azur… a Itália, tudo muito pertinho. Os Alpes Suíços… nossa foi ótimo. E fui por esse ano do doutorado sanduíche, mas aí como o programa, como o Ciências sem Fronteiras, o programa também é um requisito de fazer a gente voltar para defender em casa… e fica retido aquele mesmo tempo e não sei o quê. Então eu terminei o doutorado em 2017, fiquei retida todo o 18 também e vim para cá em 2020 no ano passado.
Alexia: E foi lá tipo, quando você fez essa… foi a sua primeira experiência de estudar e morar fora na França ou não?
Gabi: Foi. Nossa mas eu acho que eu fui assistir super sortuda. Porque eu acho que eu fui para um lugar maravilhoso… que apesar de no sul da França ninguém falar inglês né.
Alexia: Isso que eu ia perguntar, porque lá não fala memo.
Gabi: Não, e não mesmo. Dentro do Instituto era muito fácil né… instituto de pesquisa, têm francês mas tem gente do mundo inteiro, então não tinha nenhum problema. Mas da porta da universidade para fora… para você comprar um pão na padaria sempre rolava aquela língua de sinais… e aquela comunicação não verbal absurda. E tinha aulas de francês para estrangeiros na universidade. Deu quatro, cinco meses eu já estava falando francês. Porque eu fui obrigada a falar francês. Coisa que não acontece aqui na Suécia. Já tô aqui há um ano e o meu sueco é bastante comparável com o de uma criança de um ano que tá aprendendo a falar… talvez ele ainda fale melhor do que eu. Gente, mas é muito ruim… porque que todo mundo fala em inglês.
Alexia: Esse é o problema, esse é o problema.
Gabi: Esse é o problema. E o povo aqui é meio Susana Vieira sabe… eles não tem paciência para iniciantes. Então vai, sei lá, no supermercado ou em qualquer lugar, a pessoa vê que o seu sueco é muito péssimo… para além…
Alexia: Já pede em inglês.
Gabi: E é automático. E aí você nem percebe que você faz o switch para o inglês. Poxa… não pratiquei… não falei aquela palavra pra saber se estava certo. Não dá gente… não dá… não tem nem esperança aqui eu acho. A minha professora de sueco disse “não, mas você tem que praticar…. você tem que forçar não sei o quê”... mas o povo não quer falar comigo gente.
Alexia: É muito engraçado porque isso eu sinto aqui dos portugueses também. Por exemplo, quando o Foster vai num lugar e aí ele precisa falar em português ele tá um pouco nervoso… então não dormiu bem e não tá afim de falar português… então pum, já metem em inglês com ele. Não tem a menor paciência também… já sai falando em inglês.
Gabi: E aí é bom, é ótimo né. Evita várias situações ruins. Evita aquela preguiça. Mas ao mesmo tempo vou demorar 20 anos para falar sueco, porque… se for depender da boa vontade do povo aqui não vai sair nunca. Fora que a língua também é completamente diferente. Nossa Alexia… gente… ia baixando no começo o francês… o povo, nossa… esse povo escreve uma coisa e fala outra. Era o paraíso.
Alexia: Eu acho o francês muito parecido com português. Muito.
Gabi: Mas é, as nossas gramáticas são basicamente as mesmas né.
Alexia: Insuportáveis.
Gabi: Insuportáveis, super metidas, arrogantes… aquele monte de verbo não sei o quê… e a gramática deles é uma coisa maravilhosa…a gramática do sueco é como o do em inglês… é de base germânica, mas o que a gramática facilita sua vida, a pronúncia te leva para o inferno. Porque Deus! Não, não, é uma coisa assim para além. Inexplicável. Mas eu tenho feito os meus esforços… como dizia Lulu Santos… “a passos de formiga e sem vontade”, mas a gente continua aí fazendo.
Alexia: Sim, tem que ser. Porque né… você tá morando aí, você foi para aí à trabalho, certo?
Gabi: Foi.
Alexia: E aí tudo bem no trabalho você fala inglês e tal… eu não sei que… mas você está morando aí, você está vivendo aí…
Gabi: Então…
Alexia: É meio que… precisa mesmo.
Gabi: Aqui não é que você não se integre. Você consegue… as pessoas já pessoas são complicadas, complicadas não é a palavra, mas as pessoas são muito reservadas. Muito mais do que na França, muito mais do que em Portugal, e não existe nenhum parâmetro de comparação com a gente… com o brasileiro. As pessoas já são muito reservadas, são muito fechadas… nos seus próprios círculos. Uma vez que você entra… nossa, você tem amigos pra vida inteira… mas ainda assim são amizades diferentes do que a gente tem quando em casa. Nunca vou ligar para um amigo sueco e dizer “pô, abre a porta aqui que eu acabei de chegar”. Não existe essa possibilidade. Que é uma coisa que aconteceria facilmente em Teresina, em Fortaleza, em qualquer lugar do Brasil, se você tiver intimidade. Aqui, família não faz isso. E aí a língua é uma barreira que quando derrubada ajuda você a se integrar. Por mais que todo mundo fale em inglês… porque no conforto de casa todo mundo vai falar sueco, não tem jeito.
Alexia: Com certeza, com certeza. Não, eu acho essencial. Obviamente, se eu estivesse morando na Finlândia, eu faria um esforço para aprender finlandês. Agora também tem que ter o outro lado né… para continuar a ter aquela motivação de você, o que, eu tô aprendendo sueco, eu to aprendendo finlandês… para poder me comunicar. Mas não querem se comunicar comigo então… o que que acontece.
Gabi: Vamos fazer como… como é que vai falar esse negócio. Assim, precisa da pessoa realmente se esforçar a querer fazer você desenvolver teu tempo. Porque nessas situações cotidianas… de supermercado, de loja de conveniência, de farmácia… não vai acontecer. E não acontece mesmo. Porque todo mundo está ali… principalmente o pessoal dos… e assim não é essa geração mais jovem, é o povo dos sessenta menos que fala inglês. Talvez você tenha um pouco mais dificuldade para setenta mais… onde o inglês não era muito…
Alexia: Mas falam…
Gabi: Mas falam e ainda assim falam. Tipo, pais de amigos que falam inglês e tal é um pouco mais difícil… um pouco mais moroso… mas sai. Mas todo mundo fala em inglês… é o cobrador de ônibus, o motorista de ônibus vai falar inglês com você se você perguntar informação. Então não vai ser daí que você vai desenvolver o sueco. Precisa do esforço mesmo, é um esforço muito cansativo gente.
Alexia: Mas Gabi, vai me levar para uma próxima pergunta, porque a Suécia?
Gabi: Por acidente, acredita? Assim, quando eu terminei o doutorado, eu terminei logo depois do período de sanduíche na França né. Então eu ainda estava com aquele encanto de morar fora… e a Europa sempre foi um lugar que me encantou muito… não os países nórdicos, né. Porque até esse aceite, até o meu sim de morar aqui, eu te confesso que eu sabia… do Avicci… que era sueco. E esse era todo meu conhecimento. Porque até o Spotify que é sueco eu descobri aqui. E aí eu estava nesse encanto, mas eu ainda estava retida né. Durante esse período que o governo pede, exige que você fique. Mas aí eu já comecei a procurar… quando eu voltei eu ainda estava num relacionamento… acabou o relacionamento, um caos… volta pra casa da mamãe, não sei o quê…. então depois de um certo tempo eu não tinha mais nada que me prendesse ao Brasil. E eu já tinha o desejo de sair e a situação política ainda não estava nem perto do que é hoje.
Alexia: Não… imagina se já tivesse.
Gabi: Então, daí quando de volta para casa da mamãe eu já comecei a procurar… e aí pensei “bom, esse ano que eu fico aqui, é um ano que eu vou procurar e é o ano que eu vou encontrar uma oportunidade”. E à princípio eu botei todos os meus os meus esforços para França e fui percebendo que estava ficando muito difícil, complicado… a coisa já estava meio saturada… esse movimento já estava acontecendo né. E eu comecei a expandir os meus horizontes. E aí fiz entrevista para França, fiz entrevista para República Checa, fiz entrevista para África do Sul, fiz uma entrevista da Espanha… e fiz a da Suécia. Isso num intervalo de 2 anos de busca. E a da Suécia foi a primeira que deu certo. Então eu disse “tá bom, então vamos”. É o melhor que está tendo, sabe? E aí velho… só que assim, beleza… vem… aí eu disse “poxa mãe, vou para Suécia”... aí a mãe “nossa que bacana…onde fica?”
Alexia: Ela não tinha entendido o que significa isso.
Gabi: Onde fica? E eu disse… gente mas… é mesmo, onde fica? O que falam, o que comem, o que fazem?
Alexia: Globo Repórter…
Gabi: Sexta feita no Globo Repórter com Glória Maria. E aí enfim, recebi o aceite em janeiro… o visto saiu em março junto com a pandemia. E aí mano… você não vai para lugar nenhum né… não sai de casa, não vai para lugar nenhum. Lockdown total. E atrasou esses dois meses… acho que uns quatro ou cinco voôs cancelados… até eu vir para cá. Mas a Suécia não foi assim… nossa, “sempre sonhei em morar aqui”… não… eu topei e caí aqui.
Alexia: Posso ser sincera? Eu acho o máximo isso, às vezes a gente nem imagina o que que a vida pode proporcionar né. Pode ser que você não fique na Suécia… pode ser que você vá, sei lá, para a Grécia, sabe? Para qualquer outro lugar… mas é muito incrível o que a vida te faz. Eu acho isso muito legal.
Gabi: Mas assim se eu voltasse… se eu hoje voltasse para o meu eu de três ou quatro anos atrás… e dissesse “nossa, daqui a 3 anos você vai estar morando na casa de Escandinávia…” “eita, claro que não gente… o que que eu vou fazer nesse lugar… não sei nada de lá”. E do nada… pá, bati aqui. As pessoas às vezes perguntam “nossa, mas você está tão longe de casa… como você convive com essa distância tudo mais…” uma vez que a gente sai a primeira vez e passa um longo período, viver com a saudade já se torna uma coisa mais… menos dolorosa e mais confortável. Não é bom, né… claro que não é bom… nunca vai ser… tem dia que bate mais forte… tem dia que você está mais down… e aí liga para casa e aí rola aquele chororô… eu que choro por tudo. Mas, uma vez que você já aprendeu a conviver você já desenrolou o mecanismo. Então a segunda saída, a terceira, a quarta, já vai ser bem menos difícil. E a segunda mudança, terceira, quarta, também. Porque você pensa, “poxa, mas eu já fiz isso… já fui para outro lugar, com outra língua, com outra cultura”, aí você começa… como é que digo… aproveitar… fica mais ansioso pelo próximo… porque você sabe o quão divertido isso vai ser. Apesar de todas as dificuldades né. Mas tudo que você já passou vai passar novamente.
Alexia: Sim, a formiguinha do como vai ser o próximo já está plantada. Eu acho isso exatamente assim.
Gabi: Exatamente.
Alexia: E assim, eu não sei você, mas eu sou uma pessoa que eu sou muito fácil de me adaptar, sabe? Adaptação para mim é uma coisa muito simples. Então, “Alexia, vamos amanhã para Rússia?”, “Vamos… tá bom”. Eu vou sofrer com a língua? Vou, com certeza. Com o inverno ainda mais, mas eu vou me adaptar… eu vou arranjar um jeito de ficar quente, sabe?
Gabi: Justamente, e aquilo, tem um ditado popular sueco que diz que para um inverno né… que não existe tempo ruim, existe roupa ruim.
Alexia: Isso não é só sueco, tá. Isso é britânico… isso é de todos os lugares. Porque o nosso treinador, do Buddy, do nosso cão, que virou para gente falou “olha, porque aqui chove muito tá… aqui no Porto chove muito”.
Gabi: Sério?
Alexia: Principalmente na época do inverno, é insuportável. Não venham para o Porto em fevereiro e março… não venham.
Gabi: Credo!
Alexia: E aí… e eu estava falando isso com ele, eu falei “Hugo, eu não aguento mais essa chuva”, tipo assim, eram 20 dias de chuva sem parar. As roupas não secavam… você só ia para lavanderia para secar. Elas voltavam molhadas porque chovia em cima sabe… na rua. Então assim… é insuportável.
Gabi: Aquela umidade permeável né.
Alexia: E aí ele falava “Alexia, olha, não existe tempo ruim… o que existe é que você tá com as roupas erradas… vai na Decathlon, compra umas roupas na Decathlon… coisas baratinhas e pronto”.
Gabi: Tudo impermeável.
Alexia: Exato. Aí eu pareço um saco de lixo saindo durante o inverno porque eu tô com tudo impermeável. Aprendi perfeitamente. Mas eu estou maravilhosa, toda seca.
Gabi: Engraçado que o inverno… ele faz questão de abdicar de qualquer tentativa de entrar em padrões de beleza ditado por roupa. Nossa, por mim eu saía embrulhada num edredom no inverno gente… saio com tanta camada, com tanta coisa em cima de mim… e chega no escritório você vai descascando que nem uma cebola. Gente, como é que… as pessoas paqueram no inverno? As pessoas… elas não se vêem no inverno… porque só tem camadas de cima dela.
Alexia: Só, só. E o meu primeiro aqui foi exatamente assim, eu parecia uma esquimó. O meu segundo eu tentei ser um pouco mais fashion, sabe? Então por exemplo, eu comprei na Decathlon aquela segunda pele… e eu só usava aquela segunda pele e achava que eu estava arrasando. Só que aí as minhas t-shirts, as minhas roupas, mostravam a minha segunda pele. E eu falei “não, isso não tá legal”. Então assim…
Gabi: Tá quase, mas ainda não.
Alexia: Exato, eu desisti. E eu tenho uma amiga portuguesa que fala “olá, brasileira no inverno”... eu sou uma esquimó. Eu sou exatamente assim.
Gabi: Mas gente, não dá. Não tem como. Nós não somos construídos para esse tipo de ambiente hostil. Gente, não tinha… Alexia, na França, aqui também, eu chego em casa no inverno… “nossa esqueci de comprar, sei lá, pão”... vai ficar sem pão. Você vai ficar sem pão até amanhã… voltar do trabalho, porque não saio mais de casa para ir comprar pão. Não saio mais de casa pra comprar… não saio de casa de jeito nenhum. Uma vez que você já tinha todas as suas camadas elas não voltam para você mais hoje. Gente, é uma preguiça horrível.
Alexia: Eu não sei como é que é aí… mas por exemplo aqui os apartamentos até os anos de 2000 não tinham central… ou seja, a maior parte. Então a gente não tem aquecimento central aqui.
Gabi: Nossa, então você congelava fora e dentro.
Alexia: Exato. Então a gente tem os aquecedores que são portáteis, né…
Gabi: Os elétricos, né?
Alexia: É, que leva de lugar para lugar. Então assim a sala tá quentinha vai para o corredor morrendo de frio. Aí chega no quarto tá quentinho.
Gabi: Aí você fica abraçada nele aqui né.
Alexia: Vai tomar banho, liga o aquecedor do banheiro… Ok… sai do banheiro, morrendo de frio de novo. Aquele choque térmico,sabe. E olha que o Porto não é tão frio quanto aí. Porque a Suécia é muito fria. Então assim, eu não consigo imaginar.
Gabi: Não, mas aqui assim… como a Suécia é muito fria… a estrutura física das casas é preparada para isso. O que a gente sofre é no verão. Porque agora nem tanto… esses dias já tá mais ameno. Hoje já está mais ou menos 19, 20 graus.
Alexia: Não tá verão esse ano… esse ano não tem verão… aqui também.
Gabi: Mas nossa… Alexia, há duas semanas atrás aqui fez 32°… tipo… e o sol… tudo que a gente não tem de sol no inverno a gente tem de sol no verão. O sol agora está se pondo às 9:30hs da noite. Até um mês e meio atrás a gente tinha sol até quase às 11:00hs. O solstício de verão, que aqui é um feriado inclusive, foi no final de junho. Então assim, tem o sol da meia-noite… a gente passa o dia inteiro de sol. E quando o sol se une ao calor, não há lugar que tenha ar condicionado que dê conta nessa cidade. Por que as casas estão bem isoladas… sabe… as janelas são todas de vidro duplo. A gente tem aquecimento central em tudo buraco que você entra… até no ônibus, que no verão não tem janela para abrir no ônibus, não tem janela no metrô, não tem janela no trem. Gente, esse povo vai morrer sufocado aqui. Eu que sou de Teresina, povo dizendo “ah, você tá adorando, tá no calor, e tal…”... e eu disse “não minha gente, tô não”.
Alexia: É diferente.
Gabi: Lá tem ar-condicionado no carro, no quarto, no shopping, e assim… os ar condicionados tilintando de frio a gente sofre de rinite alérgica por causa de choque térmico. E aqui isso não tem. O verão é mais sofrido porque tem que ter ventilador. Você compra o ar condicionado portátil. Porque aqui é muito caro de você fazer instalação do ar-condicionado… porque também não é todo mundo… não é o Seu João da esquina que você vai encontrar para fazer. Mas no inverno não… no inverno todo mundo tá muito bem aquecido em casa. Nesse inverno né, que foi o meu primeiro, eu ficava com um suéterzinho, um moletom dentro de casa e às vezes ficava com calor, ficava só com uma camiseta de manga comprida e pronto. Porque o aquecimento é ótimo.
Alexia: Ai que inveja, que inveja, que inveja.
Gabi: O povo aqui não gosta de sofrer de frio, então eles se preparam para isso. Mas o que me fez mais sofrer aqui durante o inverno não foi nem o frio… e esse inverno foi particularmente mais frio esse ano porque Estocolmo geralmente não tem tanta neve… a neve já fica um pouquinho mais para cima… tipo a uma hora de metrô daqui já tem bastante neve. Mas esse ano, no último inverno a gente teve muita neve, graças a Deus que eu pude ver né… neve de verdade, se acumular e tudo o mais. Mas a escuridão foi o que mais me matou. Que nossa… esse ano por conta da neve houve um longo período de ausência de sol… mesmo quando o sol saía as únicas 4 horas do dia… e as 4 horas são mesmo 4 horas… de 9 horas da manhã à uma da tarde… e era nublado. E engraçado, que quando a gente vive com o sol com uma regularidade você não percebe tanto dependência do corpo para ele. E quando o inverno começou aqui, eu sinceramente, achei que eu ia ficar muito doente… porque eu tinha sono, eu caí de cama, não tinha energia para nada, mesmo fazendo reposição de vitamina D, que as pessoas já tinham me alertado e tudo mais. Mas é incrível como o corpo padece na ausência do sol… e aqui é um problema também de saúde… problema não, mas, existe uma sazonalidade da depressão diagnosticada pelos órgãos de saúde pública. Que todo mundo cai… fica down no inverno, porque não tem sol… não tenho não tem o que fazer… todo mundo fica em casa.
eu caí de cama - when someone says “eu fiquei de cama” means that “I’m feeling sick”. So here she’s saying that without the sun, she felt weak.
Alexia: Sim, eu já vi umas pessoas que moram em lugares parecidos com a Suécia que sofrem da mesma coisa. Porque aqui no inverno por exemplo, às 5:00hs, 5:30hs… em outubro, o sol já baixa. Ok, eu acho horrível, né. Porque eu tô acostumada agora com 10:00hs da noite o sol tá indo embora durante verão. Pois é, então assim, é maravilhoso. E do nada em outubro começa a ser 5:30hs (da tarde). Já o meu melhor amigo que mora em Londres, às 3:30hs (da tarde)… assim… começa a sair também o sol. E aí eu comecei a pesquisar muito sobre isso porque a gente gosta muito de falar sobre saúde mental, você sabe. E eu e o Foster, a gente gosta muito de pesquisar sobre como é que a gente pode sempre ajudar os outros e nos ajudar. Por exemplo, se um dia a gente for morar na Suécia como é que vai ser, sabe. Tem umas pessoas que fazem umas janelas tipo de sol… de luz natural em casa… e eu achei isso o máximo.
Gabi: É muito bacana, porque a neve também ajuda bastante. Claro, pela superfície branca que acaba refletindo, tanto a pouca luz de sol que tem, quanto as luzes da cidade… então ajuda muito. E geralmente… nem todos os prédios… geralmente os prédios mais antigos… tem aqueles… com que chama…
Alexia: Clarabóia.
Gabi: Clarabóias. Nos prédios do centro é muito mais fácil encontrar. Nos prédios do centro que você tem as clarabóias do lado das saídas da chaminés. Mas fica sempre ali. Nos prédios mais modernos já não tem tanto, a arquitetura trabalhou muito mais com as janelas. Aqui eu tenho… que para mim é uma coisa muito, muito incomum… são janelas muito grandes e também muito largas e muito extensas. Tipo a minha janela tem uns dois palmos só assim do chão. Então é quase como se fosse uma porta de varanda. Mesma coisa no apartamento que eu morava antes… era um apartamento da universidade que só tinha uma janela… era um estudiozinho… que foi também muito pelo fato de eu ter sofrido por conta disso. Eu ter sofrido mais durante o inverno… porque eu só tinha essa janela. Mas era uma janela que era baixa… era baixa com relação ao rodapé né. E bem larga. E aí acaba que você tem essa luz vindo das janelas… então todos os prédios aqui tem muitas janelas. O que você vê muito é janela. Justamente pra ter essa incidência solar dentro do prédio… mas aí o investimento que eu fiz… porque de fato eu percebi como meu corpo padeceu… foi uma luz UV.
Alexia: Aham.
Gabi: Comprei uma… ai não lembro qual era a marca… mas é um despertadorzinho… tipo então às 6:00 da manhã que era quando meu despertador tocava… ela começava a acender aquela luzinha assim mais sutil… e aumenta, aumenta, aumenta. Aí o quarto ficava todo iluminado. Eu tinha um sol só para mim… ficava lá… vem sol, vem. Mas outra coisa que aqui também não ajuda… o povo aqui adora uma luz amarela…. gente, sério.
Alexia: Sério.
Gabi: Alexia, todo lugar que você entrar aqui, vai ter luz amarela. Apartamento… comprei uma luminária… a luminária veio com uma luz amarela… aí eu disse “gente, mas eu quero luz branca, eu quero a iluminação assim, claridade mesmo”. E aqui na maioria dos prédios você sempre vai ver luz amarela. Que fixação, aqui já é escuro, porque que que esse povo não gosta de uma luz branca? Isso é uma coisa que até hoje eu não tenho como explicar…. olha… por isso… não sei.
Alexia: Aqui… é… quando a gente veio para cá, tudo era luz branca nesse apartamento. Só que assim… aqui é muito claro. Esse apartamento inteiro tem muita janela. Então a gente mal liga a luz. A gente vai ligar só às 9 e pouca da noite. O que é uma coisa incrível. E o nosso proprietário explicou que a luz branca é a que gasta menos e a luz amarela é que gasta mais… mas te esquenta mais a luz amarela.
Gabi: Ah, isso faz sentido.
Alexia: Mas assim, eu não sei se é papo de português também, entendeu. Não faço ideia.
Gabi: A gente não pode confiar né.
Alexia: Até porque se você pensar… luz fria e luz quente.
Gabi: É, faz sentido. Ah, mas explica muito né. Já que aqui eles realmente se preparam para não sentir o frio… para minimizar os efeitos do frio… tem razão de ser. E é muito bonitinho assim… apesar do inverno ser cruel com relação a luminosidade… mas você vê todos os apartamentos têm luzes na janela. Tipo assim, o povo começa a colocar… pra mim é tudo luz de Natal né. Mas aí o pessoal diz “não, são as luzes que o povo coloca no inverno”... e coloca umas estrelinhas na janela…. aqueles penduricalhos de LED… fica muito lindo de ver. E fica o tempo inteiro…. porque tá escuro. Então você sai de manhã… estão lá as luzes… você chega de noite… estão lá as luzes. Aí no Natal tem uma galera que dá uma colorida… mas você vê até mais ou menos fevereiro, final de fevereiro, começo de Março, todo o apartamento… toda varanda vai estar toda enfeitadinha… porque eles realmente acham isso… se dedicam. E aí eu até comprei uma estrela assim gigante para janela… a janela só era uma. E estava lá com aquela estrela gigante… porque todo mundo tinha… e aí eu disse “ah, não… não vou ser a vizinha fora do padrão, não”.
Alexia: E é tudo da Ikea, tudo da Ikea?
Gabi: Tudo da Ikea.
Alexia: Imagino.
Gabi: Gente, tudo da Ikea.
Alexia: Eu amo. Amo.
Gabi: Gente, a minha primeira visita na Ikea… Alexia, estava na lista de pontos turísticos né. Porque assim, museu estava fechado… estava tudo fechado. Então eu fui colocando o que estava lá embaixo na lista… e estava lá a Ikea. Gente… Alexia… ainda bem que a loja fica fora da cidade, senão eu estava lá todo dia. Então, demora um certo tempo para chegar lá. Mas sabe assim… não sei… sei lá… é um shopping, são 3 ou 4 andares com tudo dentro. E você fica lá…
Alexia: E você se perde. Eles fazem de propósito pra gente se perder. E até a comida é boa. O refeitório é muito bom e barato…
Gabi: As almôndegas…
Alexia: Exato, as almôndegas são maravilhosas… as almôndegas vegetarianas e não vegetarianas são maravilhosas.
Gabi: E barato. E o barato aqui, ele ainda tem esse poder de ser mais atraente porque a Escandinávia como um todo, a Suécia, mas principalmente Noruega, mas a Suécia é um país muito caro. Então você ter um lugar de uma comida razoavelmente boa e barata o restaurante do Ikea sempre está cheio. O Ikea nem tanto, mas o restaurante está sempre cheio. Sempre tem gente comendo lá. Eu toda vez que eu vou lá, eu já chego lá no meio da manhã… porque lá mesmo eu já almoço e lá mesmo eu fico para tarde. Eu vou passar uma temporada. Gente é tão bom lá… é tão bom. Parece coisa de matuto, mas é maravilhoso.
Alexia: Eu adoro. Meu pai também ama ir comigo. Meu pai a primeira vez da vida dele numa Ikea foi comigo aqui também. A gente entrou e olhou assim. Eu falei assim “pai, o que que é isso?”. Isso é realmente só uma loja? Porque a gente não estava entendo o conceito ainda, sabe. E a gente foi andando, andando, passando pela parte de poltronas, sofás, camas, aí os acessórios, e acessórios para banheiro, plantas e etc. E a gente estava montando o apartamento né. Então fomos comprar luminária… a gente foi comprar tipo… coisas que a gente precisava para cozinha e tal. E aí, aí também provavelmente é assim… eles não dão saco né.
Gabi: Não.
Alexia: Você tem que levar seu próprio saco, o seu próprio carrinho, ou comprar o saco deles de lá. A gente não sabia disso… então ele chegou com carrinho sem saco sem nada e aí a gente pode botar no carrinho de novo. Mas eu olhei para menina e falei assim “tem saco?” ela falou “não”... aí eu “tá bom”. E aí sacolas, eu não sei o que que aconteceu na época, não estava perto do caixa…
Gabi: Elas ficam né, dependendo do lugar, você vai achando elas pela loja também… numas caixas.
Alexia: É, é. Mas aqui eles botam também logo antes do caixa, para você não ter dúvidas assim… ah ok, tem que pegar. Eu não sei seu eu não percebi… não faço ideia… só sei que eu cheguei para o Uber com o carrinho com abajur, com lâmpada, com tudo… fui metendo na mala… e eu falei assim “moço…”, moço não né, que aqui eu não posso falar moço, mas… olha o senhor me desculpe por isso, nossa primeira vez aqui no Ikea. Porque não é nem Ikea é Ikea. E eu não sabia que não podia sacola. Aí ele “não se preocupe, damos um jeito”. Aí chegamos aqui em frente ao apartamento a gente foi tirando um item de cada vez.
Gabi: Gente do céu… nossa mãe.
Alexia: Que mico, que mico.
Gabi: Mas também rola sempre… e engraçado que a primeira vez que eu fui no Ikea aqui… aqui tem muito brasileiro.
Alexia: Isso que eu ia perguntar, tem muito brasileiro mesmo?
Gabi: Muito brasileiro, tem muito brasileiro em todo lugar. A gente brota do chão e vai mitosando e vai se multiplicando. E a primeira vez que eu fui no Ikea eu tinha acabado de me mudar para o primeiro apartamento que eu estava. Que outra coisa aqui que é a crise imobiliária… uma coisa terrível. Enfim, tinha acabado de me mudar e fui lá para comprar essas coisinhas pequenas e uma mesa de escritório… essas coisas né… e estavam reformando uma parte. Tinha dois caras conversando, dois funcionários nessa parte da reforma falando em português… e óbvio que eu estava perdida… como todo mundo vai no Ikea fica em algum momento… e também é difícil de você encontrar uma pessoa que trabalha no Ikea. Tipo assim, fica uma por setor, e o setor tem 20 mil metros quadrados. E aí o cara estava lá e eu ouvi aquela voz e engraçado… que você às vezes não entende o que a pessoa está falando… mas você entende que é um idioma muito familiar. E aí eu saí.. sabe cachorro quando está farejando… “gente, onde é que eu tô ouvindo?”. Falei assim “moço, eu preciso achar uma mesa de escritório, eu não sei onde é que eu estou”. Aí ele começou a rir. Ele estava num cantinho reservado… e disse “você veio até aqui só pra perguntar essa informação?” e eu disse “não achei ninguém pra perguntar”. E ele falou “desce um andar de escada, dobra pra esquerda, vai ter um mapa e lá você procura essa palavra”. Em sueco imagina. Você procura essa palavra… eu disse “ah ta bom moço, muito obrigada”. E ele disse “qualquer coisa você volta aqui”. Eu disse “claro que eu não volto, porque não vou saber voltar, mas beleza obrigado”.
Alexia: Esse mapa, olha, até em português não funciona tá… não funciona. Setor 2 vira a direita, depois esquerda, depois desce 2 e não o que… não funciona, não funciona.
Gabi: É a terra do nunca.
Alexia: É isso, é Nárnia.
Gabi: É isso, é incrível. Eu sei, eu também… foi minha primeira vez aqui. Em Teresina não tem… em Fortaleza também não… ah não sei se tem agora… mas na época que eu morava lá não tinha. Minha primeira vez aqui em sueco… foi uma aventura.
Alexia: É muito bom, é muito bom. Agora Gabi você falou que tem muito brasileiro aí… tem muito brasileiro na sua empresa ou não?
Gabi: Tem, um que trabalha comigo na verdade. E por coincidência não foi eu que trouxe… não foi indicação minha. Foi muito engraçado porque quando eu cheguei, sempre que você se insere em qualquer ambiente novo de trabalho… tem aquela insegurança sobre os procedimentos e tudo mais e não sei o quê… e tem um grupo de pesquisa aqui da faculdade que é muito recente, tem um pouco mais de um ano, um ano e meio. Então ele está muito ávido para publicação e tudo mais e não sei o quê… aí como a minha pesquisa ia demorar um pouco até ter os primeiros instantes de publicação e eu já vi um delay de pesquisa muito grande por conta desse período depois de doutorado até vir para cá… tanto ele estava nessa avidez quanto eu estava na cegueira de ter uma primeira publicação para poder galgar alguma coisa para depois. Meu contrato são de dois anos aqui. Só que assim, a princípio você não sabe direito como que é o estilo dele né… de publicação… de ritmo de trabalho tudo mais. E aí eu estava com essa missão de um review para escrever… e um outro colega acabou voltando… acabou voltando para casa e abriu uma vaga e uma terceira colega do grupo indicou esse brasileiro para vir. E como o outro já tinha acabado de sair, ele chegou aqui num instante sabe… tipo, o cara foi embora em setembro e o Bruno chegou aqui em novembro. Foi muito rápido. Porque é um projeto que já estava em andamento. E achei, está lá o Bruno, brasileiro, no meu grupo de pesquisa… não tem muito brasileiro no departamento. Nós eramos 4, 5… agora teve um que foi embora. Três ou quatro no nosso departamento, sabe. Mas aí assim quando eu cheguei aqui, nesse período estava tentando me inteirar, entrar em grupo do Facebook, tudo mais, não sei o quê… e aqui também precisando desses serviços pequenos de cabeleireiro, para cortar um cabelo cacheado, que aqui ninguém tem… não é que aqui ninguém, tem… mas aqui é difícil de encontrar quem tenha. Uma costureira né… que o povo não tem costume de chegar lá com um metro de tecido e dizer “moça, faz esse short aqui da revista para mim?”. Que é uma coisa que eu faço, fazia em Teresina, fazia em Fortaleza… eu adoro. E aqui não tem tipo fazer um ajuste em uma calça qualquer coisa. E aí eu fui encontrando essas, a medida da necessidade, encontrando essas essas pessoas nesses grupos porque eu estava precisando delas. E é incrível, porque foi uma facilidade que… na França já existia o Facebook, já existia Instagram, mas não tinha tamanha integração. Tenho amigos brasileiros na França que eu encontrei por acidente… mas assim, não tenho amigos brasileiros que eu encontrava num grupo de Facebook, num perfil de Instagram. E aqui os brasileiros que eu fui encontrando acaba sendo assim. E aí na medida que você começa a encontrar um… é tipo aquele novelo né, que não acaba nunca. Você vai encontrando outros e outros e outros. E você começa a ouvir também no meio da rua… agora eu estou morando um pouquinho mais fora do centro. Acabei de mudar para cá, mas antes eu morava no centro da cidade… numa região cheia de bar, restaurante e tudo mais… e vez ou outra sei lá… pelo menos uma vez a cada duas semanas eu estava passando na rua e ouvia alguém falando português. E não era o português de Portugal… porque a gente consegue identificar muito bem a diferença né. Era o nosso português, brasileiro por aqui. Mais um. E as comunidades são grandes. Então assim tem muito brasileiro aqui. As pessoas acabam adotando o estilo de vida da Escandinávia em que eles preservam muito o seu espaço pessoal… então, até a relação que a gente tem com o brasileiro aqui é um pouco diferente. Também não tenho muita intimidade, claro… acabei de chegar há um ano só. Mas até essa interpessoalidade na relação de amizade fica ali alguma coisa entre o nosso e o deles, sabe. Não é a mesma coisa como é aí… como é lá né.
Alexia: Lá, é… porque aqui também não é. Eu acho que… eu não sei, eu falo com muita gente que mora fora, principalmente agora que eu estou fazendo essa minissérie para o Carioca Connection. Eu tenho várias diferentes perspectivas de brasileiros morando ao redor do mundo… de acordo com a história de cada um, né. Então assim, por exemplo, tem uma amiga minha… que ela se mudou… ela na verdade, nunca morou no Brasil, sabe. Ela sempre estava morando em outro lugar e passava tipo um ano, dois no Brasil e aí depois ia para fora de novo. Desde pequena. Então ela sempre teve que se readaptar a cada dois anos… a cada um ano… então assim para ela o significado de casa é simplesmente onde ela está morando naquele momento e tudo bem, sabe. A casa dela não é o Brasil ou não é o Estados Unidos onde ela morou um bom tempo… é onde ela está naquele momento. E pode ser qualquer outra daqui a um mês, sabe. Você sente isso? Tipo por exemplo, Suécia é a sua casa agora… ou Teresina é? Nem digo o Brasil… Teresina.
Gabi: Teresina. Ou Fortaleza. Não, assim não sinto… e também acho que eu nunca vou sentir. Porque assim, no caso dela é muito dos nômades digitais né. As pessoas acabam… e é mais ou menos o que a gente já tinha falado… você se adapta ao movimento da mudança, de forma que vai ficando cada vez menos difícil… até a hora que ele fica fácil, até a hora que você começa aproveitar ele a todo momento e não vê mais as desvantagens. Para pessoas como ela, como esses nômades digitais que a gente vê… é uma comunidade cada vez maior né… agora que o trabalho remoto então está super difundido e as pessoas vêem que é possível. Então isso acaba sendo um movimento comum para essas pessoas que se mudam a cada ano a cada 2, 3 anos. Teve uma colega aqui que eu encontrei até num grupo de corrida, que é mais ou menos desse jeito. Ela é economista e ela é austríaca, antes de vir para cá estava morando na Itália… da Itália veio para cá… daqui já está em Nova Iorque. Então talvez para ela seja muito isso, mas o meu movimento ainda não é tão frequente para me fazer sentir o lugar que eu estou no momento em menos de um ano ou em menos de dois talvez como casa… também não senti na França. Na França eu tinha data para voltar então era muito mais difícil. Aqui eu não tenho a pretensão de voltar. Eu tenho a pretensão de me extender. Tanto que, durante a minha busca, a ideia é, eu não quero nenhum tipo de vínculo, programa, projeto submetido com o governo brasileiro que me faça voltar. Que me traga de volta. Eu preciso ter um projeto aprovado numa agência local, no lugar que eu vou. X, mas o lugar que eu vou. E foi o que eu consegui aqui. Mas ainda assim esse sentimento de casa ainda não está instaurado. E eu acho que a Suécia, os países escandinavos, apesar de pregarem muito isso da aceitação do mundo inteiro… de ser muito cosmopolita e tudo mais… eu nesse ano já senti e ouvi relatos de algumas pessoas que já moram aqui há muito tempo que… por melhor que seja o seu sueco, por mais tempo que você viva aqui, ainda que você evidencie uma uma origem diferente dessa… você em algum momento durante toda a sua vida vai se sentir imigrante. Não que isso seja uma coisa muito descarada ou alguma situação de xenofobia, de racismo… não, isso nunca acontece aqui. Até pelo estilo de vida dos suecos… que eles preservam muito essa boa aparência… essa política da boa vizinhança… tem até uma palavra para isso que é o lagoon, que é o conceitos deles de, nem demais nem de menos, só o suficiente, só o necessário. E realmente é uma coisa cultivada. Mas ainda assim, eu acho que por mais que eu more… que sei lá… por ventura, fique com residência permanente, eu acho difícil ter esse sentimento de ser a minha casa. Vai ser um lar, vai ser o lugar que eu adotei para mim. Mas a minha casa, a minha comida, o meu calor sempre vai estar… vai remeter ao Brasil. Porque eu nasci, criada e desenvolvida por lá. No semiárido do Piauí, não tem como isso virar meu, virar o que eu sou.
Alexia: Isso para mim… é porque… eu vou ser muito sincera tá…eu conheço muito pouco do Nordeste. Os dois únicos lugares que eu fui do Nordeste foram a trabalho. E muitos específicos, sabe. Como é que é o nome daquele… Beach… Beach Park em Fortaleza. Eu fui para aquilo, e assim… é zero nordeste, digamos assim. É um parque aquático, nem na praia eu fui direito.
Gabi: Gente, que horror.
Alexia: Pois é. E aí eu fui para… ai, esqueci o nome… perto de Recife… eu esqueci… mas eu vou lembrar depois.
Gabi: Porto de Galinhas.
Alexia: Provável. Foi meu primeiro estágio… assim olha… 15 anos atrás. Uma coisa assim… então eu não conheço o Nordeste. Eu conheço nordestinos, mas eu não conheço o Nordeste. Então para mim é uma ponta do Brasil que me falta muito porque a cultura nordestina é completamente diferente da minha cultura de sudeste, né. É completamente diferente do Rio. E quando eu falo isso para as pessoas, para os gringos, etc… eles “mas como assim?”. Porque eles não entendem a comida diferente, o sotaque é diferente, as gírias são diferentes, a hospitalidade é diferente. Não é melhor nem pior, é diferente.
Gabi: É diferente.
Alexia: É isso, é isso.
Gabi: É outro país. Se desse para dividir a gente já estava lá divididinho em cinco. Cada região com seu. Mas aqui isso não é difícil de exemplificar, aconteceu uma coisa parecida com a França porque a Suécia é muito comprida, né. Geograficamente é um país muito extenso. Tem as peculiaridades do norte, do sul, e da região central da Suécia. E também é geograficamente, politicamente mais, mas geograficamente dividido em três regiões. Então a comparação fica mais fácil quando eu falo disso aqui. O Bruno é paulista, e eu sou teresinense. Então assim, tem hora que… tem n situações que eu falo coisas e ele disse “olha, eu não falo o seu dialeto. Você precisa usar as palavras do dicionário comigo”. Como é que tu não entende, quando eu falo esturdia, quando eu falo um trenantonte, sabe? “Gabi, eu não falo essa língua, você tem que entender isso.” E aí as pessoas vêm essas situações e falam “ mas vocês não falam a mesma língua?”... daí eu “médio, mais ou menos, ás vezes”. E aí, outra também, a comparação também inevitável… com português de Portugal né.
Alexia: É claro.
Gabi: Que as pessoas acham que é a mesma coisa. Que também aqui é muito fácil de explicar porque tem o norueguês… o norueguês falando norueguês… e o sueco falando sueco, se entendem. É a mesma coisa gente, o português falando português e brasileiro falando português, a gente se entende mas a gente não fala a mesma língua. É diferente. E aí eu não sei… é diferente… como tu falou… não é melhor nem pior… mas o nordestino tem a sua raiz mais fincada quando ele nasceu e cresceu no nordeste.
Alexia: Eu concordo, eu concordo plenamente.
Gabi: Então eu acho que sendo nordestina, nascida, criada, crescida no nordeste… eu acho que se algum dia eu tiver sentimento de ter algum lugar que não o Brasil como casa… vai demorar… vai precisar de muito. E eu sinceramente não acredito que isso vai acontecer. Por mais que eu goste, eu gosto muito de morar aqui. O estilo de vida é ótimo, tudo mais fácil de se adaptar…como na França também gostei mas até chamar isso de o meu país, o meu lugar… aí tem muito ainda para rolar.
Alexia: Tem muito chão.
Gabi: Tem muito chão. Tem muito baião de dois pra comer por aqui pra eu poder me sentir em casa. Não tem como.
Alexia: Isso que você falou sobre o nordestino, ele ter mais raiz, eu concordo plenamente tá. Assim, óbvio que eu não vou dizer que carioca tem menos… não é isso… não é isso… é diferente. E o que eu gosto do nosso Brasil são as diferentes regiões e como é que cada um tem muito orgulho das suas próprias regiões.
Gabi: Ai, isso é o máximo né.
Alexia: Eu acho isso muito legal. E hoje em dia o Brasil está tão polêmico, está tão complicado, e todo mundo apontando o dedo para todo mundo. Que a região X com a região Y… sabe ai… e nós somos um único… nós somos um país com diferentes culturas, com diferentes dialetos digamos assim, com diferentes comidas. E quanto mais a gente se mostrar para o mundo “olha o Brasil não é só Rio de Janeiro, não é São Paulo, não é só Brasília, não é só o sul né”, que agora todo mundo tá querendo ir para Gramado, Florianópolis, etc.
Gabi: Com a neve.
Alexia: É exato, está com neve lá. E também não é só Salvador né… Porque também tem isso. O Brasil é muito mais.
Gabi: Amazônia.
Alexia: Exato, não só Manaus. E uma coisa muito engraçada que você falando sobre dialetos e gírias… eu assisti The Circle Brasil… você assistiu isso na Netflix?
Gabi: Eu assisti a primeira temporada… nossa mas acho que foi assim que saiu. Mas não terminei… minha irmã estava assistindo. Eu vi alguns poucos episódios com ela. Mas eu acho que já deve ter outra. Porque teve algum anúncio… então eu acho que deve ter uma segunda temporada talvez.
Alexia: Eu acho que não… eu acho que é essa mesmo que você está falando. Só que a gente só foi assistir agora… há pouco tempo. E assim, gente, tem um homem que eu acho que é do Recife uma coisa assim, ele fala cada coisa, que eu não entendo nada. Eu não entendo nada. Eu assim “como é que pode uma coisa dessa, sabe”. E aí tem uma carioca lá tipo “meu irmão” falando… é bem carioquês mesmo.
Gabi: Eu amo.
Alexia: E aí o Foster fascinado porque pela primeira vez ele tinha uma pessoa do Acre, uma pessoa do norte, nordeste, sudeste, do sul centro-oeste, Minas, sabe assim… tinha todo mundo em um programa só… falando ao mesmo tempo. E eu fico até arrepiada de falar nisso porque a gente é muito rico… a gente é muito rico e a gente não dá valor para isso. A gente tem a síndrome do vira-lata que é horrível isso.
Gabi: Tem… não sei se tu experiencia isso Alexia. Mas a gente só é dividido, a gente só é polarizado, a gente é polêmico, dentre as nossas regiões… dentro de casa. Quando a gente sai e eu acho… eu não sei se é comum… já percebi isso algumas vezes com alguns conterrâneos… mas quando a gente sai, a gente se diverte explicando para as pessoas. E a gente acha isso o máximo. Nossa você nem imagina que a gente fala línguas diferentes, as comidas são diferentes. Ah mas não é só Rio não… tem isso, tem isso, tem aquilo outro, tem não sei o quê, blá blá blá. E Manaus… nunca fui em Manaus, mas olha, no nordeste tem um monte de coisa. Aí a gente vira um só. Mas aí a gente precisa sair de casa… que é um movimento que é muito difícil de fazer, sabe? E quando a gente volta… volta a mesma coisa… aquela coisa de dizer “ah não, mas eu tô na Europa….”. E assim, eu vi uma vez um artigo, eu não lembro, que para mim esclarecia muito sobre… o brasileiro só gosta do estilo de vida europeu quando ele está na Europa. Porque quando a pessoa está aqui ela adora andar de metrô, acha o máximo a segurança, acha ótimo você sair com seu celular no meio da rua tirando foto e com a máquina pendurada. Mas quando a gente volta, o que que a gente faz para ter isso? Porque a gente não quer… a gente quer estar dentro do carro, com ar condicionado, blindado… estar andando em alguns lugares mais selecionados porque não quer estar onde está todo mundo. Mas aqui, isso tudo ótimo, isso tudo é maravilhoso. Isso não faz o menor sentido, porque a gente pode ter tudo isso de uma maneira tão mais interessante dentro de casa, que eles não precisa vir para o outro lado Atlântico para fazer, sabe? Uma galera muito mais fria que não gosta nem de aglomerar, sabe? Não gosta do pagodão e tudo mais. Não tem graça aqui… se a gente faz aí ia ser muito mais legal.
Alexia: Mas é verdade, mas é verdade. E esse negócio que você falou que quando a gente está fora é o que a gente faz… eu lembro quando eu fui a primeira vez para os Estados Unidos… olha, nem Foster existia na minha vida foi com 21 anos de idade… eu fui para Nova York. E aí eu estava assim, turistaça, Time Square lá no meio com todas aquelas lojas, etc. E eu queria porque queria ir na Forever 21, eu queria ir. Detalhe… hoje em dia tem pavor tá… mas na época eu tinha que ir. E aí eu lembro que para entrar na loja tinha que subir de escada rolante, e eu estava na escada rolante e atrás de mim obviamente tinha uma família de brasileiros. Só que era um pai com três filhas e a mulher… coitado desse homem… coitado.
Gabi: Coitado, passar vinte horas lá sentado.
Alexia: Coitado desse homem. Tinham que liberar ele para fazer qualquer outra coisa… mas ele estava lá. Aí eu lembro, mas eu caí no riso quando ele falou, porque até então ele não sabia que eu era brasileira, né. Estava na minha. Aí ele virou e falou “porque ir na C&A ninguém quer, né? Forever 21 é igual, é mesma coisa, mas ir na C&A ninguém quer”. Olha, mas eu olhei para a cara dele chorando de rir… falei “o senhor tem toda razão”. Cara, ninguém quer ir na C&A.
Gabi: Ninguém quer fazer um cartão da C&A… com a pobre da atendente dizendo “vamos fazer um cartão da C&A?”. Mas gente... mas é… ah chega aqui “ah, vamos na H&M…” inclusive H&M é sueca, descobri aqui também. Vamos na H&M comprar várias coisas. Ninguém quer ir na Renner, né, ninguém quer ir fazer o cartãozinho na Renner. E gente… e é a mesma coisa. É loja de departamento, é roupa… tudo bem, tem umas roupinhas melhores? Tem. Elas vão ser tão caras quantos as roupas que você encontra numas lojas… que aqui são mais sofisticadas e tudo mais. Você vai encontrar um casaco de 150 euros na H&M e você vai encontrar um casaco de 25 euros na H&M. Mas se for na Renner vai ser a mesma coisa.
Alexia: Sim.
Gabi: E é H&M. Gente, é uma loja de departamento. Ah, as coisas do Ikea. Aqui… eu fiquei super chocada porque aqui as pessoas dizem “ah não, mas é baratinho, é do Ikea…”. É do Ikea. E tipo assim, o Ikea é o faça você mesmo. E outro ponto né, aqui se eu não sentar aqui para limpar o chão do meu apartamento…
Alexia: Não tem quem faça.
Gabi: Ninguém vai vir não… pode até vir mas vai lá um terço… 15% do salário para aquela pessoa em uma diária. Gente… e é isso… o brasileiro, ele gosta do estilo de vida europeu só na Euroupa. Porque em casa ninguém quer limpar sua própria casa, todo mundo vai querer pagar uma diarista. Porque existe o nosso regime favorece. E a gente gosta disso. E a gente eu me incluo, claro né, óbvio, estava inserida nisso.
Alexia: Gente, eu amo. Eu vou ser muito sincera eu adoro andar com segurança, eu adoro ter essas experiências. Óbvio que sim, é óbvio. Eu não vou negar. Quando eu voltar para o Rio de Janeiro, vai fazer o quê, 3 anos agora eu que não volto lá. Eu vou sofrer, porque o meu estado de alerta…
Gabi: Morreu.
Alexia: Não existe mais. Então assim, voltar para lá significa toda aquela atenção voltar. Infelizmente é a realidade carioca. Eu não sei como é Teresina, não sei se é igual ou não.
Gabi: Fortaleza eu posso dizer que sim. Quando eu voltei da França eu sofri disso. E é sofrer… porque é muito rápido para gente desligar né… você se adaptar a viver, a chegar, a sair do bar uma hora da manhã com o celular na mão, e pegar um ônibus… e saber que nada vai acontecer e a rua está deserta. E você simplesmente não se preocupar. E aí quando eu volto para Fortaleza, em Fortaleza na época estava assim numa onda terrível de violência sabe. Eu não sei se você teve notícia. Teve uma época que até a guarda nacional desceu lá e ficou um tempo. Foi mais ou menos nesse período quando eu voltei… e Alexia, eu morava numa numa vizinhança, não era uma vizinhança rica e tudo mais… mas era uma boa vizinhança… só que Fortaleza, diferente de Teresina tem muito dessa mistura de você ter uma comunidade entre a vizinhança turística e uma vizinhança um pouco mais abastada, sabe. E tinha roubo de cachorro na minha vizinhança, sabe? Acredita? Imagina, eu tenho eu tenho um shih tzu e eu descia para caminhar com ele de manhãzinha cedo e eu tinha que tirar o relógio, colar, brinco e tudo mais não sei… e sair num horário que já tinha um certo movimento para ter certeza que ia ter movimento na rua para eu saber que eu ia voltar em segurança para casa. Mesma coisa à noite. E quando você já desliga isso, para ligar se torna cansativo. Mesma coisa em Teresina. E aí eu senti ainda mais o meu desejo de sair foi ainda mais alimentado por saber que eu não quero viver desse jeito o resto da minha vida, eu não posso. Eu conto para as pessoas… em Fortaleza eu tinha um C3, eu estava casada na época e aí a gente saia de carro à noite e tudo mais.
Alexia: Quando você fala C3, é Citroen C3.
Gabi: É, o Citroen C3. Aquele carrinho né.
Alexia: É um pãozinho.
Gabi: Parece um fusquinha, bem pequenininho. E a gente pensou em blindar o carro. A gente fez um orçamento para brindar o carro, sabe? É um Citroen C3 gente… uma cidade… quem que a gente era? Eu era uma estudante de doutorado, ele médico… quem que ia querer sequestrar a gente? Não, vamos blindar o carro porque a gente vai ser assaltado no semáforo qualquer dia à noite. Isso vai acontecer, uma certeza. E aí não blindamos porque o cara da oficina disse “olha, se vocês blindarem o carro, vocês não vão dar mais de 40 nele, porque vai pesar.”
Alexia: Vai ficar pesado.
Gabi: Exatamente, e não foi porque era caro. Essa foi a razão da gente não ter blindado o carro. Porque o carro dele era maior mas também fazia para trilha tudo mais, não queria colocar esse peso a mais… então deixa para lá. Mas senão a gente teria blindado, teríamos um carro blindado. Em que lugar do mundo você pensa nessa realidade?
Alexia: Só se você for presidente dos Estados Unidos e olhe lá…
Gabi: E aí você não percebe no absurdo que você vive, até a hora que você sai. E quando volta é muito cansativo de você voltar para essa realidade e a gente não quer mais.
Alexia: Exato. E aí eu fico falando para os meus amigos “olha gente, quando eu voltar para o Brasil a gente vai para Boipeba. A gente vai para o sul da Bahia, para uma praia que não tem ninguém, que tem um problema… e a gente vai para lá.
Gabi: Quero essa alienação.
Alexia: Exato, não quero saber de Rio de Janeiro, não quero nada disso. Agora Gabi, para finalizar. Eu tenho duas perguntas para você. A minha primeira pergunta é: se você tiver que indicar uma comida nordestina para as pessoas provarem, o que você indica?
Gabi: Ai gente que pergunta difícil. Olha, eu estou em abstinência, né… então vai ser complicado. Mas baião-de-dois definitivamente e especificamente o do Ceará. Porque eles fazem com molho de queijo. Gente Alexia, Deus…
Alexia: Tá, agora explica o que que é baião de dois de dois.
Gabi: Tá, baião de dois é uma… povo fala que é mistura de feijão com arroz… mas não é só isso. Precisa ser o feijão verde, aquele feijãozinho ainda. E o feijão verde é verde porque realmente ele não está maturado. Ele vem na vagem, prepara com um arroz fresquinho. E aí, por exemplo, em Teresina as pessoas fazem ele mais sequinho. Só o feijão com arroz. Claro que qualquer mistura de feijão com arroz o pessoal vai chamar de baião de dois. Mas com o feijão verde e o molho de queijo que o povo faz no Ceará… com cheiro verde em cima…
Alexia: Ai…
Gabi: Não precisa de mais… você não precisa nem do churrasco… não, precisa. Alexia, esse baião de dois do Ceará e a paçoca. Mas não é aquela paçoca doce, é a paçoca de carne seca, que é uma farofa de carne seca. Que combina com baião de dois… eu não reclamaria de comer os dois juntos agora. É sensacional.
Alexia: Mas então o baião de dois não leva a carne…
Gabi: Não, ele é acompanhamento.
Alexia: Ok, é um acompanhamento.
Gabi: Geralmente as pessoas servem com churrasco, com picanha, essas coisas… mas ele é o acompanhamento. E o do Ceará é ainda assim… caprichado… Deus. Nossa, que pergunta terrível para você fazer para uma pessoa que está aqui há um ano.
Alexia: Eu sei que o Foster está fazendo ali na cozinha um estrogonofe de grão de bico. E a gente falando aqui de baião de dois.
Gabi: Pára com isso gente. Porque você faz isso com as pessoas? Pára. E a paçoca de carne seca, que é uma farofa com carne seca desfiada… mas na verdade é carne seca desfiada com farofa. Tem muito mais carne seca. Deus do céu… mas aí tem uma lista enorme, se quiser mais eu te digo mais.
Alexia: Aí a minha segunda pergunta é: eu tô pedindo para todo mundo indicar um lugar no Brasil, que não seja aquilo que a gente vê em novela, sabe? Que seja assim um lugar que você ame, que quer que todo mundo conheça. Então por exemplo, eu amo e Ibitipoca, que fica em Minas. Já falaram aqui Lençóis Maranhense, já falaram Manaus, já falaram…
Gabi: Vai falando que aí eu não repito né.
Alexia: Já falaram Chapada Diamantina, Boipeba… por enquanto eu acho que é isso. Onde você indicaria?
Gabi: Olha, o Piauí.. apesar de Teresina ser a capital que não está na costa, mas a gente tem um litoralzinho de 66 km quadrados, 66 km de extensão, desculpa, é bem pequeno. Que historicamente veio de uma troca com o Ceará e tudo mais e não sei o que… é pequeno, mas a gente tem uma parte caprichada lá, sabe. E lá tem uma praia, agora é uma praia bem trend assim… está meio que como se fosse a Jericoacoara da costa piauiense… que se chama Barra Grande. Lá em Barra Grande, é um mar de águas calmas. Muito vento… o pessoal faz muito wind surf, kite surf… acho que é wind surf, não sei. Mas sabe aquela prainha de pé na areia… agora tem uns hotéis bem bacanas… mas você acha outros nos arredores… Barrinha, que fica perto de Barra Grande. Que sabe, Deus deu uma caprichada lá. Mas assim uma caprichada muito boa. E é um lugar divino… mar de águas calmas… água quente, que é maravilhoso… comida muito boa, como a comida do Piauí é… e de gente muito boa também. Você vai encontrar lá aquelas comunidades de pescador, vai comer peixe fresco, camarão, caranguejo. E aí a gente volta para a comida. Barra Grande com certeza é um lugar que todo mundo deveria conhecer. E é muito especial.
Alexia: Amei, amei porque é muito interessante que cada um tá dando assim… “ai eu queria muito voltar para os Lençóis Maranhenses… porque lá tem Atins…”. Assim, as pessoas realmente sentem saudades e sabem que aqueles lugares foram muito, muito especiais. Mesmo que você tenha passado dois dias, uma semana, um ano, são os lugares que realmente te marcaram por algum motivo, sabe?
Gabi: São casa né.
Alexia: É, é isso, é isso. Então Gabi, obrigada por você ter vindo aqui, ter falado com a gente.
Gabi: Obrigada você Alexia, assim eu fiquei… quando eu recebi o e-mail já fiquei assim super empolgada. E agora foi um prazer enorme ter essa conversa… é muito bacana… eu penso que talvez isso seja útil para outras pessoas como foi para mim ouvir podcasts do pessoal que morava fora e que teve as experiências de saber como foi e tudo o mais. E conversar contigo foi ótimo. Eu adorei… eu que já era seguidora e fã. Então para mim foi foi ainda um prazer em dobro.
Alexia: Para mim gente… esse negócio de ter fã, de ter seguidor, é tão engraçado. Outro dia pararam a gente na rua, e eu não percebi que estavam parando a gente na rua. É um menino que escuta a gente no Inglês Nu e Cru Rádio e ele assim, meio… “Alexia!”... ninguém conhece a gente aqui, sabe? E a gente andando com o Buddy na rua, e eu ignorei… porque, tipo, um homem querendo chamar a gente na rua. Aí eu parei e falei “ele sabe os nossos nomes, então tem alguma coisa errada né…”... tipo sua menina…
Gabi: O que que eu fiz?
Alexia: Aí eu olhei assim… aí ele fala “vocês são Alexia e Foster no Inglês Nu e Cru, né?”... ai eu “aham”. O Foster não entendendo nada… não sabia o que estava se passando. Como assim, você reconheceu a gente… todo mundo de máscara ainda… como é possível uma coisa dessas.
Gabi: Gente, mas ele foi ninja hein… de máscara.
Alexia: Foi, mas ele reconheceu…
Gabi: Ele reconheceu o Buddy.
Alexia: Exato, ele reconheceu pelo Buddy. E aí eu olhei assim para o Buddy e falei “a gente tem que começar a te disfarçar também”.
Gabi: Bota a máscara no Buddy também… um chapéu e um óculos.
Alexia: Mas é muito divertido. A gente adora, a gente está zero acostumado com isso. Nós somos normais, pessoas normais. A gente é zero youtuber e super podcasters.
Gabi: Blogueirinhos…
Alexia: É, então assim… gente como a gente, sabe.
Gabi: Ai eu senti… senti agora… Já senti assistindo stories. Mas eu acho que é mais por isso que vocês acabam conquistando as pessoas. Porque a gente se identifica muito, principalmente às vezes nesses perrengues que tu passa lá em Portugal… vejo umas coisas… gente, parece umas coisas que acontecem aqui comigo, sabe. E você se identifica e você fica mais próximo… e tem ainda mais carisma. Por isso que eu fiquei tão feliz quando eu recebi o e-mail e falar contigo agora… nossa gente estou falando com a Alexia. É ótimo.
Alexia: Ai que bom Gabi, obrigada você. Com certeza você vai voltar para a gente falar mais sobre a comida nordestina… com certeza.
Gabi: Ai vou adorar.
Alexia: Isso, e obrigada e até a próxima.
Gabi: Até, obrigadão e parabéns também pelo podcast. Amei. Eu já gostava né, mas participar dele também foi muito especial.
Alexia: Obrigada.