Listen on:
Alexia: Oi pai, bem vindo de novo ao Carioca Connection.
Marco: Again, a pleasure.
Alexia: Não pai.
Marco: De novo, um prazer.
Alexia: Sim, um prazer imenso. E hoje eu quero conversar com você sobre um assunto que a gente recebeu dos ouvintes, que eles querem muito saber. Não foram só dois e-mails sobre, foram mais do que dois e-mails sobre. Eu não vim preparada pra esse episódio, então você vai precisar ser bem direto e reto nas respostas, porque a gente vai falar sobre a participação do Brasil durante a Segunda Guerra Mundial.
Marco: Ok.
Alexia: Então minha primeira pergunta é, quando que começou a participação do Brasil durante a Guerra?
Marco: Bom, primeiro, vocês não estão escutando um historiador, eu não vou ter datas precisas e tal, mas eu vivi isso, eu sou fruto desse episódio. Eu vou dizer pra vocês porquê, mas foi mais ou menos 1943 quando o Brasil então entrou ao lado dos Aliados na Segunda Guerra Mundial.
Alexia: E você nasceu em 1945 né?
Marco: Sim, meu pai foi convocado pra Guerra. Ele estava numa cidadezinha perto do Rio de Janeiro aonde embarcavam as tropas…
Alexia: Três Rios?
Marco: Três Rios.
Alexia: Três Rios fica perto de Petrópolis, fica na estrada de Petrópolis. É muito perto mesmo, fica acho que a duas horas e meia do Rio de Janeiro. É uma cidadezinha muito pequenininha hoje em dia, nunca fui, vou ser muito sincera, mas eu sei que fica ao lado de Petrópolis.
Marco: Então, as tropas brasileiras, parte delas, estavam em três Rios, acantonadas, como se fala, esperando...
Alexia: O que que é “acantonadas”?
Marco: “Acantonadas” é em barracas, esperando o embarque no navio. Minha mãe, grávida de mim, estava num pequeno hotel no Rio de Janeiro separada do meu pai, não tinham contato, claro, época de guerra. E daí o tempo foi passando e quando chegou na época do meu pai embarcar, com a graça de Deus a guerra acabou.
Alexia: Mas eu to um pouco confusa, porque a participação do Brasil começou em 1943 e você, em 1945, nasceu. Mas eu sei, claro, porque é da minha família, que o meu avô tava indo pra guerra e a vovó tava grávida de você, não é isso?
Marco: Sim.
Alexia: Então ele foi convocado só dois anos depois de quando começou.
Marco: É, já tinha ido um contingente grande…
Alexia: Que que é “contingente”?
Marco: “Contingente” é um número de soldados. Tinha ido uma divisão, seriam por volta de 50 mil homens. Então o meu pai estava com as tropas que iriam chegar ainda pra reforçar essa divisão e a guerra acabou antes.
Alexia: Mas como é que foi feito, por exemplo, todos os homens brasileiros de tal a tal idade tinham que participar? Como é que foi feito essa, esse chamado?
Marco: Foi feito como sempre no Brasil, os homens de tantos a tantos anos são obrigados a se apresentarem para servir o exército e parte deles foi enviado para guerra. A maior parte eram de pobres, gente pobre, gente que não teve como escapar. Houve muitos muitos casos de gente que inventou uma desculpa pra, enfim…
Alexia: Não participar, por exemplo, inventar que a visão tava ruim, qualquer coisa assim.
Marco: Mil coisas, mas enfim, meu pai tava lá pronto pra embarcar, a guerra acabou e nada do meu pai ser desmobilizado né? E minha mãe grávida de mim e sozinha. Então um dia meu pai chegou pro comandante e falou “olha, eu servi minha pátria, eu to aqui por uma questão de burocracia eu não estou sendo desmobilizado, minha mulher vai ter um filho.” Eu. “E eu tenho que sair daqui, eu peço a sua ajuda.” E o comandante foi muito legal, liberou meu pai. Meu pai viajou pro Rio e encontrou minha mãe, com alegria, vocês imaginam qual. A minha mãe então e meu pai decidiram ter o filho no Rio, que eu estava pra nascer dali a meses. Depois resolveram ir pra São Paulo, onde tinha parte da família pra ficar mais perto da família. Chegaram em São Paulo e resolveram ainda ir pra Poços de Caldas que é a cidade aonde eu nasci.
Alexia: Ou seja, você quase foi carioca, você quase foi paulista e resolveram te botar no mineiro.
carioca - from Rio de Janeiro paulista - from São Paulo mineiro - from Minas Gerais
Marco: Exato.
Alexia: Que é, pra mim, o melhor povo brasileiro.
Marco: Muito obrigado. Aí fomos pra Poços de Caldas, eu fui na barriga da minha mãe né, aí chegamos em Poços, ela teve então em setembro…
Alexia: Dia 18, ou seja, tá chegando seu aniversário.
Marco: Sim, há 73 anos atrás, 74, ela teve o Marco Antônio que nasceu lindo e formoso na Santa Casa de Misericórdia de Poços de Caldas.
Alexia: Santa Casa da Misericórdia de Poços de Caldas.
Marco: Sim minha filha, eu confesso que eu não sabia esse “da”, em todo caso.
Alexia: Bom, e aí voltando agora ao assunto principal, porque não é o seu nascimento papai querido. O Brasil foi chamado por quem pra participar?
Marco: O Brasil foi meio forçado a participar, porque…
Alexia: Como assim?
Marco: Forçado pelas potências aliadas, especialmente Estados Unidos e Inglaterra a participar. O Brasil mantinha uma neutralidade, era o Getúlio Vargas o…
Alexia: Presidente.
Marco: Nosso presidente, vamos chamar assim.
Alexia: Ele era presidente né?
Marco: Sim, mas ele não tinha muito entusiasmo em entrar numa guerra e principalmente ele era um admirador secreto de regimes totalitários, porque ele era um totalitário, ele foi ditador do Brasil e depois ele voltou como eleito. Ele foi, enfim, isso dai é história do Brasil, mas ele não tinha grande entusiasmo, então os Estados Unidos e a Inglaterra precisavam desesperadamente de bases no nordeste do Brasil.
Alexia: Calma, a gente acabou de gravar alguns episódios sobre o arquipélago de Fernando de Noronha, que na época foi usado como uma base dos Estados Unidos principalmente para a Guerra, então só pra fazer a ligação.
Marco: Certo. Fernando de Noronha foi uma base pequena, foi mais um ponto estratégico. A grande base foi em Natal, na ponta do nordeste brasileiro. Se vocês olharem no mapa é a ponta mais próxima da África, que eles precisavam, os aviões na época não voavam muito, daquela base pra apoiar a invasão da África do Norte, que foi por onde começou a invasão anglo-americana pra derrotar os alemães e italianos que estavam lá na África do Norte. Da África do Norte, só pra dizer, depois eles passaram pra Itália, invadiram a Sicília, o sul da Itália, a Itália inteira. E depois houve a invasão do outro lado da Inglaterra para a França, mas no começo eles precisavam muito dessa base aqui. E ter o Brasil ao lado seria uma vantagem, sempre é bom. Na época a guerra não tava ganha, tava indecisa. Então o Roosevelt, que era o presidente americano, fez uma visita ao Brasil de boas relações, então… E nas negociações…
Alexia: É aquela história de manter a boa vizinhança.
Marco: Manter a boa vizinhança e essa boa vizinhança acabou que o Getúlio... A juventude brasileira saiu às ruas pra pedir que o Brasil se posicionasse ao lado dos Aliados, houve uma pressão popular e o Getúlio acabou então...
Alexia: Cedendo e participando.
Marco: Cedendo e participando. A história conta que o Getúlio entrou entusiasmado, não foi bem isso, mas isso aí também é um detalhe. Os americanos fizeram uma base enorme em Natal e foi muito engraçado, porque pelo menos uma coisa engraçada né, que modificou. Natal era uma coisa do interior semi agrário de um Brasil da década de 40 e de repente foi invadido por gente amiga, falando uma língua estranha, mascando chiclete, tomando Coca-Cola e mudou a vida da cidade. Existem livros sobre isso, mas o fato é que o Brasil então preparou suas tropas e como o Brasil não tinha condições financeiras, bélicas, etc…
Alexia: Pera aí, calma pai, você tá falando sem parar, literalmente, dando muitas informações. Então, o Roosevelt veio, quer dizer, foi pra lá né, a gente tá em Portugal, teve uma reunião com o Getúlio, pediu para que o Brasil apoiasse os aliados.
Marco: É, “pediu.”
Alexia: Sim pai, pediu né, porque ele não podia ordenar nada.
Marco: Quase, porque eles já tinham planos preparados pra tomar forças se por acaso o Getúlio dissesse não. É incrível, mas é isso.
Alexia: E como é que foi, por exemplo, eu entendo essa questão patriota né, de “vou lutar pelo meu país, vou lutar para que o mundo não seja dominado por uma força má,” né, que era o Hitler naquela época, mas assim, o Brasil “não tinha nada a ver.” Era uma realidade muito longe né da realidade do Brasil, porque quem tava completamente metido nisso era os Estados Unidos com as forças aliadas. O Brasil foi colocado como o mais um que vai a festa né, aquele +1. E como é que foi essa questão patriota na época? Todo mundo se juntou pra ir? Realmente lutavam por isso ou não, foi uma mistura de emoções?
Marco: Não. A grande massa da população brasileira não tinha meios de se informar. Era alguns jornais, rádio e só, quer dizer, não tinha esse frenesi hoje de celular, redes sociais, nem nada. Mesmo assim, a juventude brasileira foi pra rua. Eu digo a juventude, foi a uni.
Alexia: A juventude brasileira quando você fala eram das grandes cidades né?
Marco: Das grandes cidades, claro.
Alexia: Rio de Janeiro, São Paulo, porque naquela época que você acabou de falar, em 1940, 1950 principalmente o interior e quem não era parte do sudeste não tinha acesso à quase nada né?
Marco: Exato. Alguns jornais e a rádio nacional, que na época todo mundo escutava, mas que não tava muito ligada nesse assunto. Fazendo um paralelo importante, a Argentina ficou neutra, o governo era do Perón. Só uma coisinha, mil desculpas desse 1943, eu não me preparei também, pode ter sido 42, 43.
Alexia: Não tem o menor problema.
Marco: Tudo bem. Argentina se beneficiou imenso de ficar neutra, ela ganhou muito dinheiro exportando carne, soja pro mundo em conflito. Imagine vocês, o Brasil entrou, a gente tinha pouco, mas entrou com tudo que a gente tinha. Nós tivemos uma força aérea lutando na Itália. Tivemos 50 mil homens lutando na Itália e a Marinha Brasileira patrulhou a costa da América do Sul, entrou em combate inclusive com alguns submarinos alemães que estavam por aqui. E o Brasil entrou então com tudo com o que tinha. Era pouco pra uma guerra planetária, mas entrou com tudo que tinha.
Alexia: E graças a Deus foi a última vez que o Brasil se meteu em alguma guerra né?
Marco: Com a graça de Deus.
Alexia: Que bom. Assim, claro que eu acho que a gente tem que nos defender e etc, etc. É sempre bom ter forças armadas, enfim, mas de qualquer forma o Brasil não tá sob ameaça, além do nosso atual presidente, nenhuma, então tá tudo certo. Agora pai, que que aconteceu do lado de lá? Como é que foi o resultado? Pra gente finalizar esse assunto.
Marco: É, isso é importante, porque nós estamos falando aqui de gente que morreu, que sofreu, que não voltou. Então os nossos soldados foram pra lá. Era FEB, Força Expedicionária Brasileira. A FEB desceu principalmente no porto de Nápoles, já estava dominada pelos Aliados, e seguiu pra frente de batalha numa região montanhosa perto de Pistoia, uma cidade montanhosa e participou de algumas batalhas importantes. Uma delas foi Monte Castelo e Monte Cassino, aonde os alemães estavam entrincheirados fortemente.
Alexia: Que que é “entrincheirados ” pai?
Marco: Estavam mantendo posições defensivas fortes.
Alexia: Em trincheiras, né?
Marco: É, “trincheiras” é uma força de expressão. Nos pontos montanhosos mais altos, com artilharia pesada.
Alexia: Pontos estratégicos que você quer falar.
Marco: Sim, e as tropas brasileiras que faziam parte de um grande exército americano e inglês participaram dessas batalhas. Nós tivemos entre 400 à 600 mortos lá na Itália, muitos feridos e o Brasil dominou algumas cidades, ajudou no esforço de guerra e foi isso que aconteceu. Então...
Alexia: Mas dos 50 mil que foram, a maior parte voltou né? Não foi uma perda surreal, isso que eu to falando.
Marco: Não. Graças à Deus não, porque repito, nós fazemos parte de um grande exército inglês, americano principalmente e com outras tropas. Poloneses livres, a Polônia tava invadida então... Tiveram também algumas tropas marroquinas, enfim, a gente não vai falar nem demais nem de menos, não foi uma coisa dramática que mudou o panorama da guerra, mas foi uma coisa muito importante pra um país semi agrário que pela primeira vez na vida, na história, graças à Deus inclusive, mandou tropas pra um outro continente pra lutar em favor de uma causa.
Alexia: Muito bom.
Marco: Fizeram parte daquilo que o Foster chama The Great Generation dos Estados Unidos, A Grande Geração. Eles fizeram parte dessa grande geração, nós só estamos aqui levando a nossa vida em liberdade, porque essa grande geração se opôs ao Nazismo e ao Fascismo e venceu.
Alexia: Tá ótimo, então eu acho que com essa conclusão nós chegamos ao final do episódio. Pai, muito obrigada…
Marco: De nada.
Alexia: Por ter participado de novo e até a próxima. Tchau.
Marco: Bye bye.