Foster: A Pedra do Sal é um lugar super legal para visitar hoje em dia.
Pablo: É um lugar super turístico!
Foster: Sensacional. Mas, tem um samba quase toda noite. É de graça.
Pablo: De graça. E são os caras que tocaram o samba a vida inteira, são verdadeiros músicos do samba. A música é maravilhosa.
Foster: Eu só fui uma vez. Mas, eu gostei muito mesmo. Então, pode explicar um pouquinho o que é samba musicalmente? O que tem de ritmos, de instrumentos, coisas assim?
Pablo: Em termos de instrumentos eu não sou músico, então é mais complicado para eu falar.
Foster: Mas, geralmente tem violão. Tem muita bateria, muito ritmo...
Pablo: Tem muita percussão.
Foster: Geralmente tem cavaquinho também.
Pablo:Usa-se muito cavaquinho também que é...
Foster: E cuíca. A gente tem uma cuíca aqui em casa, que a gente não toca muito bem.
Pablo: É uma microcuíca que eu comprei lá em Salvador.
Foster: A cuíca é aquele instrumento que parece quase um macaco, né?
Pablo: Ou um porco!
Foster: Isso. Exatamente.
Pablo: É um som que se enquadra na música, assim, é um som que o cuiqueiro não fica tocando o tempo inteiro. De vez em quando ele tem uma intervenção no meio da música.
Foster: Mas, é super legal! E acho que é uma coisa única na música brasileira. Nunca ouvi cuíca na música americana, nem britânica.
Pablo: É verdade. É um instrumento bem peculiar do samba.
Foster: Mas, enfim, o samba...
Pablo: E a gente tem algumas... a gente está falando assim do ritmo e a gente tem algumas figuras que para mim, representam muito o samba genuíno e a relevância do samba como fator social e o fator de incorporação desse malandro na sociedade. Por exemplo, o Cartola.
Foster: O Cartola é o meu predileto.
Pablo: É realmente...
Foster: Sensacional!
Pablo: É sensacional. Por que o que ele fez? Ele sem estudos - o Cartola nem foi alfabetizado, nem frequentou a escola - consegue...
Foster: Isso quer dizer que ele não pode ler, nem escrever.
Pablo: Ele aprendeu sozinho a ler e escrever. E ele consegue compor as canções com as letras mais lindas que tem no samba. São letras maravilhosas!
Foster: Ah, mas ele é poeta.
Pablo: É um poeta. Ele é um poeta que usa a língua portuguesa com uma erudição que as pessoas que estudam a língua portuguesa ficam abismadas. Como que esse cara sem ter estudado consegue compor as letras mais lindas que a gente já viu?
Foster: É muito bonita. Se você tivesse que escolher uma canção, uma música do Cartola, seria qual?
Pablo: Matou uma Zika aí?
Foster: É.
Pablo: Uma música? Tá. Eu acho que "O Mundo é um Moinho", uma música que ele fez para a filha dele que se prostituía.
Foster: Essa é aquela música que...
Pablo: Ainda é cedo amor / Mal começaste a conhecer a vida / E anuncias a hora da partida
Foster: Eu adoro!
Pablo: É muito bonita. E é uma música que a minha vó ouvia, sabe? Cartola é atemporal.
Foster: Ele morreu quando?
Pablo: Não sei. Eu acho que foi na década de 80. Mas, ele é um músico que só conseguiu chegar ao estrelato no final da vida dele. Não sei se você já viu o filme do Cartola.
Foster: Tem filme?
Pablo: Tem um filme também. Ah, inclusive o Tim Maia está no Now ou no Netflix. A gente pode assistir.
Foster: A gente vai ver. Mas, eu acho que a maioria dos gringos conhecem o Cartola através do filme Cidade de Deus.
Pablo: Ah, Cidade de Deus! Que é a trilha sonora, né?
Foster: Mas, Cartola é sensacional.
Pablo: Tem muitos. Se a gente for pensar num branco, Noel Rosa.
Foster: Noel Rosa?
Pablo: Noel Rosa era um filho de um médico da elite brasileira e ele se transformou num malandro do samba. Ele largou a faculdade de medicina para ficar nas rodas de samba pelas favelas. Então ele foi um dos embaixadores da Vila Isabel. Ele é reconhecido como o Poeta da Vila. E as músicas dele são sensacionais. São músicas um pouco mais, como eu posso dizer, é mais engraçado, sabe? Ele cria uma narrativa de comédia.
Foster: Quase criticando a sociedade e coisa assim?
Pablo: Criticando também, mas fazendo muita graça. E as músicas são muito engraçadas. Assim como o Adoniran Barbosa que brinca com os erros da língua portuguesa.
Foster: Isso é muito bom. Você pode explicar para a gente um pouquinho quais são as escolas de samba? E como que funciona?
Pablo: Assim, as escolas de samba hoje se transformaram em grandes empresas, né?
Foster: Todo mundo sabe... as escolas de samba no Carnaval é a imagem do Brasil que o gringo tem.
Pablo: Sim. E o interessante é pensar que isso começou de forma ilegal. As escolas de samba não tinham autorização porque eram as comunidades, eram as favelas. Na medida em que a música foi ganhando todo o Brasil, as pessoas começaram a desfilar, usar as fantasias e as escolas foram crescendo absurdamente e ocupando no Carnaval as ruas do Rio de Janeiro. E hoje elas são as representantes legítimas da comunidade. Você vê a Mangueira, que foi campeã neste ano. A escola de samba Mangueira você vai na... como é que chama? Esqueci o nome. Você vai na...
Foster: Chapéu Mangueira?
Pablo: Não, você vai na comunidade Mangueira, mas tem o... esqueci o nome. Daqui a pouco eu lembro.
Foster: Tá, tudo bem. Mas, uma perguntinha. Você acha pejorativo hoje em dia falar favela em vez de comunidade.
Pablo: Não. Não é pejorativo.
Foster: Mas, a maioria das pessoas aqui falam comunidade hoje em dia, né? Pablo: Na verdade, acho que...
Foster: Ou falam morro mesmo.
Pablo: Você pode falar morro, favela, comunidade... porque muitas vezes tem uma favela com várias comunidades. Você vê o Complexo do Alemão, né? É um complexo de favelas, são muitas favelas.
Foster: É enorme.
Pablo: É enorme! É um mundo assim.
Foster: É quase um país.
Pablo: A Rocinha... quando você vê o tamanho da Rocinha, são 200 mil habitantes num morro, numa comunidade. Tem a Acadêmicos da Rocinha, que é a escola de samba da Rocinha. Você tem a Mangueira, tem a Estação Primeira de Mangueira. E o Cartola é um dos criadores da Mangueira, né? Você vê a história como é que o negócio ficou grande.
Foster: Bom, vamos falar um pouquinho mais sobre o samba mais recente. O samba hoje em dia ainda está vivo, né?
Pablo: Tá. O samba não morre, né? O samba padece, mas não morre. Sempre é utilizado essa...
O samba não morre, né? O samba padece, mas não morre - samba never dies. It suffers, but it never dies
Foster: Quem falou isso? Isso foi você agora?
Pablo: Não, isso já é uma expressão utilizada pelos sambistas desde o início assim. Porque o samba sempre sofreu muita discriminação, sempre foi muito perseguido. Em alguns momentos como hoje ou recentemente... o samba é como o mar, né? Eles tem as ondas. Tem momentos em que o samba está super bem e tem momentos em que ele fica por baixo. Mas, sempre existem os lugares em que o samba permanece como o principal instrumento de representação das pessoas assim. É claro que a gente tem outros ritmos também como o funk que está muito vinculado à favela e acabam também disputando esse espaço e também agregando valor a isso.
Foster: Então, você acha que hoje em dia o samba está... como a metáfora do mar, que ele está ganhando agora...?
Pablo: Acho que tem uma onda crescente.
Foster: Está crescendo?
Pablo: É. Por quê? Principalmente com a revitalização da Lapa, com a nova geração do samba, que são ótimos sambistas que estão aparecendo recentemente. Muitas mulheres também. A Teresa Cristina, por exemplo.
Foster: Ela é muito boa.
Pablo: É muito boa. E são os defensores do samba. Eles continuam carregando a cuíca e o violão e levando o ritmo para a frente. A gente vai para vários lugares que o samba permanece sendo... existem muitos grupos novos que estão produzindo ótimos samba também. Mas, não é uma música que você escuta em todo lugar.
Foster: Exatamente. Mas, então você é otimista sobre o futuro do samba. Pablo: Sou. Sou um otimista mesmo.
Foster: É uma coisa interessante, né? Porque eu acho que o brasileiro hoje em dia está ficando mais pessimista sobre o futuro do país. Mas, com respeito à música, acho que o brasileiro sempre está feliz.
Pablo: Acho que a gente pode ver a música como um lugar de preservar as boas vibrações.
Foster: Com certeza, tem brasileiros que já estão perdendo essa tradição. Mas, eu acho que no geral a música vive.
Pablo: Vive. Música vai ser sempre forte.
Foster: Está ótimo. Então, a gente já acabou falando do samba e você quer tomar um break? Rapidão?
Pablo: Pode ser. Tranquilo.