Listen on:
Alexia: Olá pessoal, bem-vindo a outro episódio. Quer dizer, olá pessoal bem-vindo está completamente errada. Sejam bem-vindos a mais um episódio de carioca Connection e ainda estou aqui com meu pai querido.
Marco: Alô.
Alexia: Que vocês já sabem o nome, Marco. E nós vamos falar sobre um assunto que eu não comento muito porque não tem muito para quem comentar, na verdade. Mas que eu acho muito interessante para vocês. O meu pai teve algumas pessoas muito importantes brasileiras muito perto dele. E uma dessas pessoas, por exemplo, é o Tom Jobim. Vamos lá pai, explica quem é o Tom Jobim.
na verdade - really, in fact
Marco: Tom Jobim é um dos maiores compositores brasileiros, co-autor do Garota de Ipanema e ... Eu ficarei aqui meia hora falando as músicas dele. Uma pessoa excepcional, uma pessoa do bem, um poeta, um personagem.
Alexia: Em qual circunstância você o conheceu?
Marco: Eu. Um amigo me levou para almoçar numa churrascaria muito cafoninha, mas enfim.
cafona - tacky, cheesy (cafoninha is in the diminutive form)
Alexia: Qual era a churrascaria?
Marco: Ai meu Deus, eu não lembro mais o nome. Mas ela não existe mais, mas enfim… Isso daí. E o Tom Jobim fazia plantão lá. Ele ia para lá, comia e bebia, passava um tempo e os amigos sentavam na mesa e ele então se divertia lá. E esse amigo me levou para sentar na mesa com Tom Jobim, eu fiquei meio impressionado. Imagine eu e o Tom Jobim na mesa, respirando o mesmo ar, tal. E aí ele pegou e falou o que eu queria beber, eu falei que queria beber um refrigerante, uma coisa.
Ele falou: Não, não, não. Você tem que entender de política internacional. Eu falei: Como assim? Ele falou assim: Eu vou te fazer um drink que você vai beber, você vai se sentir muito bem e você vai entender todo mundo de hoje. Eu falei: está ótimo, obrigada. Aí ele chamou o garçom e mandou colocar uma garrafa de vodka na mesa e uma garrafa de whisky, whisky do Tennessee. Daí ele misturou…
Alexia: Detalhe, o meu pai não bebe, gente. Só para deixar bem claro. Meu pai bebe uma taça de vinho e já está pronto para ir dormir. Assim como eu.
Marco: Aí Ele misturou as duas bebidas, colocou um pouco de gelo e falou pronto. Agora você prova que você vai saber tudo dos Estados Unidos e tudo da União Soviética, você vai entender de política internacional.
Alexia: E era bom?
Marco: Não. Daí eu tomei fiz um brinde a paz mundial e depois de uma meia hora muita gente passava na mesa e falava: Fala Tonzinho, e ele abraçava dava beijo nas pessoas. Um ser humano raro que explica bem o tipo carioca, o tipo brasileiro. Um grande artista eterno.
Alexia: Teve então essa situação com o Tom. Foi a única?
Marco: Não foi a única e teve mais vezes, mas nenhuma foi engraçada. Tudo bem, Tom? Tudo bem. Como está? Sempre um beijo na testa mas não teve assim…
Alexia: Mas era beijo na testa mesmo?
Marco: Beijo na testa. Beijo na testa. Quando ele estava, suponho eu, no décimo drink. No primeiro drink era: olá tudo bem?
Alexia: Ele bebia bastante.
Marco: Bebia bastante, mas não ficava bêbado, não trocava perna.
Alexia: Ele sabia se comportar, digamos assim.
Marco: Sabia. E era daquele cara da Velha Guarda de Ipanema que bebia com moderação, vamos chamar assim. Bebia bastante mas não dava vexame, contrário.
Alexia: E a segunda pessoa que as pessoas vão vibrar que você conheceu e conheceu o bem, de uma certa forma, foi o Pelé.
Marco: Pelé eu via nos campos, era apaixonado pelo Pelé. Ele tem a mesma idade que eu, então a gente surgiu no futebol (ele nos campos e eu olhando) ao mesmo tempo.
Alexia: Ele jogando e você assistindo.
Marco: Eu assistindo, era no Pacaembu.
Alexia: “A gente surgiu ao mesmo tempo” é ótimo.
Marco: Eu então acompanhava o Pelé e ficava olhando só para ele. O jeito que ele corria, com ele recebia a bola.
Alexia: Mas calma aí pai, ficava assistindo no Pacaembu. O que é Pacaembu? Ninguém entende.
Marco: É um estádio de São Paulo que foi reformado. Na época que eu ia no Pacaembu ele era pequeno, às vezes dava para você escutar até o grito do jogador dentro de campo. Então eu ficava olhando no Pelé Maravilhado com as coisas que ele fazia.
Alexia: E ele jogava na época para o Santos.
Marco: Só para os Santos.
Alexia: Que é o seu time.
Marco: Exatamente. A única pessoa que torcida no estádio inteiro para o Santos era eu, Marco Antonio. Por causa do Pelé. E as outras pessoas torciam para o Corinthians, Palmeiras, São Paulo. Quando o Santos fazia gol levantava eu e mais dois. Hoje em dia o estádio inteiro levanta, o Santos tem uma grande torcida. E o Pelé que eu conheci no campo, eu conheci também socialmente.
hoje em dia. Nowadays.
O Pelé era sempre convidado para eventos, eu trabalhava nesse ramo e eu o conheci e daí é o seguinte, a frase é: ele nasceu para ser gênio. Ele é a pessoa mais simpática sem ser forçada que tem. Quando você chegava numa roda que o Pelé estava falando ele vinha te cumprimentar. Ele dizia: oi, tudo bem? Mesmo que ele não te conhecesse, apertava a mão.
Alexia: E a mamãe tem foto com ele, né?
Marco: Tem foto com ele. Um dia a Aninha, a gente estava jantando, e chegou o Pelé com aquele grupo em volta dele. Aninha falou: como eu gostaria de conhecer o Pelé. Um garçom ouviu e foi até o Pelé, e falou: Aquela moça quer te conhecer e tal. Ele veio até a mesa: Oi, qual o seu nome? Ana.
Alexia: Imagina a cara dela.
Marco: Você é a segunda Ana que eu conheço, mas você é a mais bonita delas. Enfim, um charme total. Aninha ficou apaixonada por ele e eu mais ainda. O Pelé é uma pessoa que nasceu para ser o Deus do futebol. Ele nasceu para ser um gênio e os grandes gênios são acessíveis, eles gostam de gente.
Alexia: Eles não se escondem em quatro paredes.
Marco: Não tem essa frescura de hoje de assessoria de imprensa, não tem tempo e tem que marcar uma hora. Nada disso, o pessoal se dava, se abraçava. Sentava numa mesa e contava histórias do jogo. Todo mundo queria saber: e aquele gol que você fez? E ele tinha paciência de explicar, de falar. Uma pessoa excepcional o Pelé.
Alexia: Agora, se você tivesse que escolher um gol do Pelé, qual é o seu preferido?
Marco: Gol do Pelé? É um gol que foi transmitido pela televisão, mas infelizmente pegou fogo na televisão.
Alexia: Pera aí, deixa eu explicar. Antiga TV Globo.
Marco: Não, antiga TV Record.
Alexia: Antiga TV Record, porque a TV Globo também pegou fogo. Antiga TV Record ficava em São Paulo e na época era tudo filme, literalmente. Fitas e fitas.
Marco: Videotape.
Alexia: A gente fala videotape. E aí pegou fogo, então todo esse material até certa data que eu não sei dizer, talvez meu pai saiba, pegou fogo e tudo foi perdido. Então o original foi embora.
Marco: Esse gol do Pelé, o que foi o que ele inclusive considera mais bonito da carreira dele. Ele foi jogar no campo de um time chamado Juventus.
Alexia: Que o Cristiano Ronaldo está jogando hoje em dia.
Marco: Não, não. Juventus que você está falando é o Juventus rico, o Juventus da Itália. Eu estou falando do Juventus pobre, lá de São Paulo. Tinha um Campinho pequenininho e o Pelé foi jogar, o Santos não conseguiu vencer a barreira do Juventus. O Pelé não conseguia fazer nada. O pessoal xingava muito ele e ele ficou com muita raiva, e ele respondeu essa raiva ao contrário de fazer um gesto obsceno, de gritar, ele fez o gol mais bonito da vida dele, segundo ele. Um gol de raça, velocidade e força.
Alexia: Raça quer dizer que com muita vontade.
Marco: Muita vontade, muita coragem e uma técnica inacreditável. Aquela defesa intransponível, ele foi dando toques, passando bola por entre a perna das pessoas, dando balãozinho por cima da cabeça das pessoas, matando no peito, fingindo que ia para cá ia para lá. Ele driblou 8 jogadores do Juventus, deu um chapéu e fez o gol. Correu para o fundo do Gol, pegou a bola e foi para torcida e mostrou a bola. Olha aqui a bola, olha aqui o gol.
Balãozinho - juggling the ball around masterfully.
Alexia: Agora uma coisa é só para a gente terminar o episódio. Você sempre me falou que nos dias de hoje as pessoas não sabem bater e receber dentro de campo, né? A gente tem aquele grande exemplo, entre aspas, do Neymar que levou aquele chute na canela e cai e fica chorando. Essas coisas. O Pelé recebia muito, mas também batia muito. No sentido de saber devolver e não era com ele. Ele sabia disfarçar bem, que ele sabia receber mais que também sabia dar. E hoje em dia falta isso no futebol.
Marco: O Pelé é da antiga guarda, que o que acontece em campo em campo fica. Então o Pelé Quando era garoto, 17 anos, ele foi campeão do mundo. Todo mundo começou a bater no pelé, bater muito no Pelé.
Alexia: Quando a gente fala bater é dar um chute ali, dar um chute aqui dentro de campo. Não é fora, dentro.**
Marco: Daí então jogador antigo chamou o Pelé e falou o seguinte: Meu filho, se você não aprender a devolver, você só tem só dois anos de futebol. Então vê se aprende a bater. E o Pelé batia com a genialidade dele. Ele batia de tal forma que às vezes o juiz marcava falta para ele. Marcava a falta contra o outro cara e ele levantava a mão na maior inocência, e o cara estava embaixo quebrado. Então o sujeito sabia que se desce nele ele ia receber duas de volta. Daí que o Pelé conseguiu jogar futebol.
Alexia: E teve algum respeito dentro de campo.
Marco: Teve muito respeito dentro de campo. O Pelé se impôs pela força, tipo uma força... Como eu vou dizer? Uma força tipo Justiça. Não batam em mim que eu bato em vocês. Se ninguém bater em mim eu não bato em ninguém. Agora sim entrar para valer, eu vou entrar para valer. E ele entrava para valer.
Alexia: Bom, então vamos encerrar esse episódio. A gente falou sobre Tom Jobim e sobre Pelé. Foi ótimo, incrível, maravilhoso. E a gente se vê no próximo episódio.